23 de Junho de 2010. É essa a data. Um dia alegre em algum lugar do mundo, onde risadas infantis ecoam em ambientes mal iluminados e smurfs cantam a sua labuta... Talvez. Mas não para Magda Fantonelle. Magda era uma nobre senhora, com seus já 65 anos de idade, mas com cara de 40 (o segredo, dizia, eram camadas generosas de protetor solar todos os dias). De vida pacata, viúva, filhos crescidos e muitos gatos, passava as tardes a tomar chá nas casas das amigas, jogando baralho, predizendo o futuro e fazendo doce de abóbora. Excelente criatura. Aos domingos, ajudava as crianças pobres da periferia de Petrópolis, dando aulas de música e invocando os mortos. Mas a sua candura não pôde fazer frente a isso. A pobre não teve voz, não teve espírito, não teve tempo. Foi tudo tão rápido e confuso que ainda é difícil perceber a falta que faz. Não dá para entender. Três anos de existência e de muita luta por continuar a ser bem vista na comunidade (nunca ninguém recebeu mais convites de meadd do que ela) para terminar assim, no vácuo, no esquecimento... Qual o sentido de tudo isso? Vidas vão e vêm, mas dessa vez ela simplesmente se apagou. De tudo, restou somente essa gravação minutos antes de ser hackeada:
YLoveJesus: Me paça a çua sehna, burxa dos enpherrrrno!!!
Magda: Nunca! O meu segredo é a minha vida. Um sonho não se entrega, se faz e se conquista! O que o gênio cria, não se perde nem se escraviza!
YLoveJesus: Ah eh??? huashuahsuah!!!1! Tah achadno ki tem mais poder qui Jesus?? hushsuhusha! Para tras, pagã increhdula, ki eu vou temostar!!!!
Magda: Não! Jamais! O que guardo é um instante que lampeja! Um olhar mais alto do que as próprias estrelas! Sou fruto, sou obra, sou dom, a senha ninguém me tira e pode ir abaixando o tom!
YLoveJesus: Huhuahauahushua! Soh jesus reina, meu bem. Agora toma iso satanikkaaaa!!! Unlimited powerrrrrrr!!!!!! [ruídos misteriosos].
Magda: Não! Por favor, pare! Aceite esses biscoitos felizes da amizade, estão quentinh... Aaaaaaaah! [som de um corpo tombando pesadamente no chão].
YLoveJesus: Huhuhaushuahu! Biscoito? [arranca um biscoito da mão de Magda, já morta no chão; dá uma mordida e cospe com rancor para o lado]. Com jesus naum se bargahna naum, é intransigivele! Huahuahauashua! Toma isso, sua impia! Cade os seus poder agora eim? Huahuahauaahua!
Só pude chegar horas depois de ocorrido o crime. Na cena, não encontrei nenhum vestígio de sangue, briga ou qualquer contenda que pudesse ter havido. As portas e janelas estavam todas trancadas, e tive que entrar secretamente pela chaminé. A casa estava silenciosa e arrumada, com a diferença de que aquela já não era mais a casa de Magda Fantonelle: estava tudo mudado. Era como se ela jamais houvesse existido. Nem sinal de Lilieth, sua gata que sabia indicar com as patinhas a presença de espíritos de suicidas. Toda a sua memória havia sido varrida dali. Em busca de algo que me explicasse seu sumiço, encontrei sobre a cadeira em que costumava sentar a misteriosa mensagem: "JESUUUUSS .. TE AMA :) SABIA .. NÃO SE PREOCÚPE NÃO A BRUXA DAKI, FOI RAKEADA.. QUE JESUS ILUMINE SEU DIA." Enojado, saí de lá correndo, e nunca mais voltei.
Magda, sentiremos falta da dança das xícaras, de seu chá alucinógeno e de sua poltrona flutuante. As partidas de tarot nunca mais serão as mesmas. De você, só nos resta, agora, a lembrança das tardes ensolaradas em que jogávamos peteca enquanto a brisa cochichava em nossas ouvidos a alegria de um mundo melhor mas secreto. Sim, ainda corisca em minha mente as raquetes altas deslizando sobre os últimos raios, quando então borrifávamos o ar com suor e saliva de satisfação. Sim, ainda consigo ouvi-la dizendo como se fosse hoje: "NÃO DEIXA A PETECA CAIR". Não, não deixaremos.