terça-feira, 29 de março de 2011

Ponto Euxino

À minha vitória desta tarde, uma saudação. Como vou explicar o gosto da vitória? Melhor não. Antes mais calmo, menos ufano, menos estrídulos de talheres. Meu coração agora está no Ponto Euxino, e em nenhum outro lugar senão em sua distância. Por que tudo isso? Porque ninguém melhor para se vencer que o seu próprio vencedor, sem que para tanto houvesse sido necessário qualquer estratégia. O acaso se encarregou de minha vingança, e prostrado o fez ante meus pés. Que direi agora? Que o meu valor está longe, em voluntário exílio, e de lá o observa, contente. Não necessitar sujar as mãos deste mundo, essa é uma vitória que não tem preço. Em minha nobreza nunca desacreditei, e foi isso que me fez velar por ela. Se me desconcentro e caio nas parvalhices que costumam me dizer, como se eu não soubesse e como se eu não os desprezasse, como se eu não me aturdisse e não me fizesse absolutamente desiludido, que serei eu? Não restou nada a não ser isso. Muitos que se transformaram em monstros, ou talvez sempre tenham sido, eu não sei. Mas eu não. Minha vitória foi bradada no Ponto Euxino, há milhares de quilômetros daqui,  cujas águas ninguém vai ouvir, e eu mesmo só sinto por inspiração. Alguém como a Chiquinha, alguém como a Umbanda. Lambada e outros ritmos decadentes. Eu não. Trabalho e tomo banho que é para ser limpo. Sentar na mesa e comer meu prato honesto. As sujeiras reservo para o meu lenço, o qual guardo muito apropriadamente em meu bolso. Afinal, e é bom relembrar, fazer de seus próprios vícios bandeira é cinismo e não sinceridade.

Hipocrisia também é um assunto que me incomoda e me pertence. Mas hoje não é o dia. Talvez para Botânica. Talvez para Heráldica. Hoje é um dia de vitória, e não importa o que é o passado, o que são as minhas marcas, o que fui. A aparência me redimiu, de minhas escolhas e de meu sombrio íntimo. A minha atualidade lava minhas vestes, longe, nas águas frias do Ponto Euxino. E basta. Como diria Sheldon (The Big Bang Theory): "Para a sua sorte, a metáfora acaba por aqui".

domingo, 27 de março de 2011

Fica esperto, Sieyès

Em minha busca entediante, quase aflitiva, por conhecimentos acadêmicos, deparei-me com o seguinte trecho de um artigo na Revista de Direito Constitucional e Internacional: "Segundo Sieyès (1982), o supremo poder no Estado não cabe ao povo, ao conjunto de homens num determinado momento e em um determinado território, mas à nação, que é uma entidade abstrata, a personalização dos interesses permanentes e profundos de um povo, das gerações em sucessões. Quem é representada é a nação, e não o povo. Este ao votar age como órgão da nação para a escolha de seus representantes. Assim, ao votar o indivíduo formula a vontade da nação soberana".

Curioso para saber mais e... Bom, na verdade mais por dever mesmo, resolvi ir atrás desse tal de Sieyès, tendo como única pista a referência bibliográfica deixada pela cara autora, de onde supostamente teria inferido a assertiva citada. Para minha sorte, a referência em questão era apenas um panfleto escrito à beira da Revolução Francesa, de poucas páginas e facilmente encontrável na internet: "O que é o Terceiro Estado, por Abade Emmanuel Joseph Sieyès".

Pois bem, tendo lido e relido o panfleto, ficou a pergunta: onde diabos Sieyès disse isso? Pois eu não encontro em lugar algum, e mesmo que fosse possível assim inferir, só se por meio de interpretação em conjunto com outros textos, o que aparentemente não aconteceu. Se é verdade que em algum lugar ele disse isso, certamente não foi nesse panfleto, o qual talvez ela nem tenha lido. Mas se leu o panfleto, dolosamente mentiu, por indolência ou egoísmo, que tal informação ali poderia ser encontrada. E se essa informação realmente existe, onde quer que ela tenha lido isso, não foi diretamente através de uma obra de Sieyès, mas de um autor qualquer que dolosamente omitiu em sua bibliografia final.

O que aprendo com isso é a desilusão, o ceticismo, o cansaço de mundo. O que faz uma pessoa agir assim? Indolência, pressa, ganância, sei lá eu. Não confio mais, eis tudo. Essa questão já havia passado pela minha cabeça repetidas vezes, mas até ter experimentado concretamente não pretendia levar a sério. Afinal, precisamos confiar nas informações que nos transmitem. Não é possível vivermos o tempo todo alertas. A desconfiança em demasia é nociva, beira à loucura. Mas é surpreendente como a mentira chega aos detalhes.

Isso é um aviso pro Sieyès, a fim de que tome as providências que achar necessário. Quanto aos outros, fica dado o alerta: acaso resolvam agir da mesma forma, fiquem sabendo que, sim, há chatos como eu que não se importarão nem um pouco em conferir e difamá-los. Aliás, o nome da autora é Regina Macedo Nery Ferrari. Vejo um dedo podre apontado para você.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Álibi

Sequer mais é ódio, é luxo. Treze portentos, treze destroços na praia. Há mais, eu pergunto. Porque se houver, quero que venha com diamantes. Caixas enormes, pesadas deles. Vou pôr diamantes em minha banheira, em meu cabelo e em meu café. Meu cachorro vestirá pulôver, e meu cacto se sentará à mesa de jantar, junto aos demais. Desde o dia em que comecei a suspeitar que toda pessoa merece ser tratada dignamente, não importa o que seja (e nós sabemos que a maioria de nós não vale a lasca de meu anel de zircônio), resolvi que então todos comerão diamantes. Eu comerei diamantes e vocês também, com ou sem tempero. Não arcarei esse luxo sozinho, não se iludam. Não, não é rancor. É vaidade. Inclusive confesso que é pertinente tão só a mim. Para que se sentem diante de seus pratos, mandarei casacos em suas portas. Bolsas. Chapéus. De que mais precisam? A dignidade ornamental daquilo que carece em inteligência. É razão mesmo de que falo, não se precisa sequer de conhecimentos em química ou outra ciência que seja (desde que verdadeira). Inteligência sei que não têm, por isso mando convites analíticos. E gravações, para que não se esqueçam durante o caminho. De beleza igualmente são desprovidos, e os que a têm a estragam da forma mais deprimente que podem. Mas as suas caras pastosas combinam tão bem com meu ranço e com a sopa amarga que lhes servirei que não me importo. Não esperem de mim sequer o tédio. Esperei tanto por vocês, e de uma forma tão ridiculamente egoísta, que não há espaço em mim para fingir o tédio. Eu os concebi em meus planos, objetos, orgânicos, compostos de qualquer coisa. Abro a porta, mostro-lhes o saguão. Seus lugares já estão marcados: desenhei flechinhas. Acredito no meu livre-arbítrio, não no de vocês. Puxo-lhes as cadeiras, penduro seus casacos. Que cor bonita eu não lhes escolhi, admiro-me. Cumprimentem o cacto, eu lhes peço. O pobre sequer sabe que é uma peça do meu xadrez.

terça-feira, 22 de março de 2011

O que farias por um milhão de guaxinins

A insistência de fazer da vida mais insuportável do que já é é um encargo de que me incumbo. Não por cansaço, não por ousadia ou desamor aos valores de nossa sociedade. Mas por ignorância mesmo. Bestial assim como me tomam. Fazer-me tolo e servil ante vossa gloriosa indolência é um regozijo que não encontro em fontes alternativas de energia. Como o carvão. Como as usinas nucleares. Ai, minhas mãos secas de fuligem e esse inefável sabor de derrota. Como poderia viver sem? Como alguém poderia imaginar viver sem? Insuportável em minha grafia e em minha dicção, contorno esses obstáculos tão cuidadosamente postos na esperança de que me edificassem. Mas edifícios já existem de monte, eu digo. A minha construção pessoal eu a toco tão egoisticamente quanto posso, até que eu atinja esse espaço intangível que, gosto de acreditar, foi projetado muitos milênios antes por uma civilização alienígena compadecida de criaturas  do meu tipo. Quero distância e tão só. Seja na lama ou nos páramos em que vos inoculais. Pois tolo igualmente sou, e não faz diferença a forma como se procede. Burrice é uma coisa que transcende níveis culturais.

Ah, modernidade, que me cansa e me atropela. E em não acreditar em minha própria boçalidade, e em descrer de minha própria inaptidão, refestelei-me em meu paiolzinho. Mandem minhas lembranças para os obeliscos, os grandes Budas de pedra. Digam que sempre me lembrarei delas, as pirâmides. Minhas considerações às catedrais, aos arranha-céus. Hoje eu como no cocho.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Obituário

Há cinco coisas pelas quais nutro efetivo ressentimento: a) refinamentos; b) inaptidão para o trabalho; c) misericórdia desmotivada; d) excesso de alimentos; e) tomada de decisões fundamentadas no coração. Por outro lado, há cinco coisas pelas quais prezo, independentemente do quão equivocadas e absurdas na prática sejam: a) racionalização dos sentimentos; b) destruição da camada de ozônio; c) estatização das formas de exploração dos recursos naturais; d) dialética na argumentação; e) lógica.

Embora não elencado, há o sexto elemento de minha lista. O que realmente faz meu cérebro doer, o que arde em minha alma e suja o lenço do meu bolso é o feito que, se feito por mim, teria sido incomparavelmente melhor. Acho injusto, imoral, humilhante que alguém ganhe dinheiro com uma coisa tão ruim, enquanto eu, que poderia fazer muito melhor, fico aqui a engolir artigos secos e a defender leis e ordens. Do que estou falando? Ora, das frases sortidas do Serenata de Amor da Garoto! Esse bombom que quer mais romance e sei lá o quê. Olha só que triste:

"E assim tudo começou. Se você não consegue dizer o que sente, dê uma dica e espere. Antigamente, as pessoas faziam serenata. Hoje, uma boa idéia é comprar um Serenata em qualquer supermercado."
Ou seja, declare-se com uma frase do tipo "quem tem um amor platônico..." ou "pesquisas científicas indicam que...", que é o que você vai encontrar nesses bombons.

"Boca seca, taquicardia e tremedeira configuram o que chamamos de 'amor à primeira vista'. Segundo a psicanálise, a expressão correta é 'paixão à primeira vista'. Seja qual for o nome, é bom pra caramba."
Em que pese a linguagem jornalística e as informações pseudocientíficas (afinal, todos sabem que a psicanálise não é uma ciência), era para ser uma frase de amor. Fail. Sem falar no final, que é uma espécie de "vamos usar nossas bundas para viver".

"Amor platônico só existe na imaginação de uma pessoa, e o outro nem desconfia que é amado. Se você está nessa situação, só temos uma coisa a dizer: não queríamos estar na sua pele".
O que é isso, meu Deus? Lança desconfiança onde ainda não tem, e depois se pretende um bombom a ensejar 'romansse'? HAHAHAHAHAHA. Parece um cartão ruim de feliz aniversário!

"Amizade pode se transformar em amor? Pode. Mas, se você já está apaixonado, dificilmente esse papinho de amizade vai colar."
Não faz sentido algum. Se se afirma inicialmente que uma amizade transformou-se em amor, como é que depois... Qual é o seu QI? 90? HAHAHAHAHAHA. [Engasga com o chá].

Há mais, mas os bombons acabaram. Céus, era para ser algo tão fácil, mas tão fácil, que eles devem ter feito isso de propósito. Não é nem um pouco difícil. O assunto justamente mais explorado e procurado em poesia, principalmente quando em música. Qualquer poeta vagabundo de esquina pensa melhor. Por experiência própria. E fazem rimando, inclusive. Sinceramente, eu é que deveria estar ganhando dinheiro com isso. Eu faço muito melhor, mas muito melhor. Sou eu que mereço uma banheira. Sou eu que mereço lenços bordados. Eu. Eu. E não esses que não possuem senso algum de lógica. Garoto, contrate-me. Mas eu cobro caro, sim? Muito caro. Credo, é como se fossem o ranho de meu lenço.

Malditos. Eu, aqui, usando sachê e adoçante porque o açúcar acabou. Ah, prostrem-se ante meus pés de prata gélida. Beijem os anéis de sangue de minha mão. Contemplem minha imagem terrível e curvem suas sombras ao vale profundo de minhas órbitas. Quero que todos desabem em minha superfície de ódio e destruição. Quero limousines, mansões e bancarrotas! Vou afogar as mágoas em minha xícara e comer meus rins com as torradas. Pois não é justo, não é justo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Sepulcros no ar

Há horas em que paro, fito as estrelas e penso: "Está na hora de passar uma mensagem de paz, amor e harmonia, uma mensagem que faça as pessoas se sentirem bem e que motive o bem acima de tudo". Mas então logo me ocorre que o maior bem que almejo para a Terra seria uma humanidade toda trabalhada na engenharia genética, um mundo de natureza 100% controlada, um lugar totalmente feito por humanos e para humanos. Daí eu me lembro porque as pessoas não deveriam votar em mim caso eu me candidatasse a um cargo político.

"Mas, meu filho, não tem consciência do perigo que isso seria?". Tenho, claro, sou estudado nessas coisas. Porém não sou eu, é o mundo que caminha nesse sentido, e não vejo problema algum nisso. Se você pudesse garantir que uma pessoa nascesse sem doenças genéticas, você não garantiria isso? Ou será que você confiaria nos místicos processos da natureza que, por sinal, fazem tanto sentido quanto você pretender que têm? Eu acho que não. Você projetaria o mais perfeito que pudesse. Riscos? Bem, é difícil confiar totalmente na Ciência, e projetos semelhantes quando ainda se dispõe de pouco conhecimento a respeito realmente poderiam trazer mais mal do que bem. A começar pelo singelo fato de que a natureza, por enquanto, seleciona genes de um modo muito mais adequado do que se estivesse em nossos cuidados.

Mas a natureza não é uma deusa, e suas falhas podem ser corrigidas. O bom de se viver na modernidade é que o impossível e o inalcançável é uma questão técnica, e não mais metafísica. Marte não é um mundo inóspito porque a humanidade está fadada por uma ordem superior a rastejar na Terra, mas tão somente porque não dispomos de tecnologia que possibilite a nossa vida lá. Ainda. Os limites são paupáveis e cognoscíveis, não dependem de nossa fé. Não é maravilhoso? Profilaxia. Exatidão. Beleza tecnológica e genética. A modernidade tem muito ainda por nos proporcionar.

Terrível, não? Eu sei. Pergunte-se agora porque a história de "Admirável Mundo Novo" não assusta as nossas gerações. Tornou-se tão paupável. Eu não vejo muitos problemas no apocalipse que pretende o autor. A ruína da civilização não é relativa? Não tendemos a ver a mudança dos atuais valores como decadência? Acontece, entretanto, que nem mesmo isso é possível garantir, e mesmo a destruição de toda a humanidade é uma possibilidade tão real quanto a sua sobrevivência. Podemos fracassar a qualquer momento, seja pelas nossas mãos, seja por meio de causas externas. E não há nada lá fora que diga qual é o certo e qual é o errado.

Ah, engenharia genética, ouve a minha prece. Pode ser que, por nossa própria limitação cultural, destruamos muitas possibilidades. Por outro lado, muito sofrimento, tão inútil e tão não-edificante para si e para os seus ao redor, poderia ser eliminado. Tudo o que eu quero é um mundo mais bonito, onde seja possível garantir que uma pessoa não nascerá com um corpo degenerado. É errado? Problemas serão muitos. Mas serão novos problemas, e não há razão para permanecermos nos debatendo com problemas cuja solução já se encontra ao nosso alcance. Não faz sentido, entende? Não, você não entende. Entende sim.

domingo, 13 de março de 2011

Gólgota iluminado

Há um fenômeno que vem ocorrendo em meu quarto há pelo menos cinco anos. À noite, uma única abelha entra em meu quarto através de pequenos buracos em minha janela e voa em direção à lâmpada. A lâmpada, por sua vez, é protegida por uma cúpula de vidro, de modo que a abelha, voando em direção à lâmpada, consegue facilmente entrar mas não sair. Ela luta desesperadamente por sair e ao mesmo tempo sentindo-se atraída pela luz. Certamente seu corpo deve sentir dor enquanto se debate contra a lâmpada, ou algo semelhante a dor. "O constante contato com o forte calor da lâmpada e o excessivo dispêndio de energia são causas fatais", garantem os especialistas. A abelha zumbe por muito tempo até morrer. Minhas reações, ao seu turno, consistem em:
  1. Sentir medo, pois se não morrer e conseguir escapar, ela vai voar para cima de mim e... me matar;
  2. Sentir irritação, pois não consigo me concentrar com seu zumbido de agonia;
  3. Sentir pena, pois afinal é um ser vivo, que produz mel e é bonitinho;
  4. Sentir ânsia, pois a expectativa da morte não é das mais agradáveis.
Geralmente acabam morrendo. Em casos mais raros, há as que conseguem escapar. Das que conseguem escapar, algumas delas acabam morrendo no chão do meu quarto pois, ou estão muito fracas para voar, ou suas asas estão bastante danificadas, ou mesmo ambos, enfim. Uma delas eu tentei salvar resgatando-a do chão e colocando-a para fora de meu quarto em uma folha de papel, mas ela não voou e acabou caindo feito um inseto sem asas no chão da garagem. Ela ainda estava viva. Fracassara. Mas há, no entanto, aquelas que escapam completamente da morte e conseguem voar através da janela rumo às suas casas, vitoriosas.

Minha conclusão: estou presenciando a evolução natural das abelhas. Só aquelas inteligentes e fortes o bastante para escaparem da prisão de vidro e sobreviverem à armadilha transmitirão seus genes superiores às gerações seguintes. Meu trabalho: observar e não ajudar as fracas, garantindo, assim, que somente as aptas sobrevivam. A natureza: sutil e asquerosa como a picada de um inseto. A lâmpada de meu quarto: um pequeno gólgota randomicamente escolhido pelas abelhas para ali acharem a sua ruína e seu futuro geneticamente melhor. Amém.

terça-feira, 8 de março de 2011

Traço 9

O PROBLEMA

Pois bem, a constituição do que denominamos de "boa-vida" tem se tornado cada vez mais difícil, e os caminhos que a ela conduzem estão cada vez mais raros e difíceis de serem tomados. Dados obtidos da Universidade de Colúmbia demonstram que, hodiernamente, a formação rápida e fácil da fortuna não pode ser obtida através senão da patente de um invento. A apropriação psiquíco-privatístico-financeira de uma descoberta, embora moralmente controvertida nos meios vulgarmente denominados "hipongas", permite ao seu autor não somente fama, coisa que cada vez é mais dispensável e vago em nossa sociedade, mas, sobretudo, dinheiro suficiente para condicionar uma vida de ócio e luxo. Há os que aduzem que resultados semelhantes podem ser observados em atividades como "apostar" na bolsa de valores. No entanto, "apostar" na bolsa exige perspicácia, coisa não muito observável em quem procura o ócio. Ou, ao menos, o que procuro não pode ser alcançado senão por métodos intuitivos e desconcentrados em objetivo.

Foi pensando nisso que resolvi dedicar o meu tempo em busca de algo absolutamente novo e útil, algo pelo qual as pessoas sonham em ter mas sequer imaginam como isso seria possível. E, olhando para o meu quarto, percebi que certo objeto ocupa estranha e insistentemente pelo menos um oitavo do espaço disponível: o armário. Pode não parecer muito, mas leve-se em consideração que em um quarto deve haver minimamente uma cama, uma cadeira, uma mesa/escrivaninha e um armário. Se um quarto possui 12 m², supondo que uma cadeira ocupa 1 m², uma cama 2,16 m², uma escrivaninha 1,8 m² e um armário 1,5 m², temos então que pelo menos 6,46 m² do espaço encontra-se ocupado por um objeto sólido e relevante, restando, ainda, 5,54 m² por onde transitar. O que foi? Ainda não conseguiu visualizar o problema? Pois saiba agora.

O seu armário ocupa, em geral, um oitavo do espaço não porque um armário deve ocupar um oitavo do espaço, mas simplesmente porque esse é o máximo de tamanho que consegue alcançar. E, no entanto, sabemos que esse tamanho não é suficiente para abrigar todas as nossas coisas. Ventiladores, casacos, cachecóis, miniaturas de ídolos pagãos, patins, balas de hidrogênio, jogos de tabuleiro. Todos eles e muito mais competindo aguerridamente por um espaço tão limitado. "Onde guardarei o meu exoesqueleto?", você pensa. "Onde porei meus vestidos de casamento?", você se espanta. As portas não ficam maiores através da vontade. Novas prateleiras não surgem por mágica, nem que você pranteie o mundo. Seu armário é diminuto para fins práticos, e não porque você precisa de menos coisas.

Além do que, repare que o espaço ocupado pelo armário impossibilita a plena manifestação da vida em seu quarto. Imagine como seria bom ter um sofá de três lugares em seu lugar. Imagine que incrível poder dar uma festa em seu quarto, com direito a luminárias, castiçais e pista de dança. Contudo, contudo... O seu armário ocupa um oitavo de seu quarto, e nada disso poderá ser feito. Esqueça aquele mostruário de elementos químicos raros. Esqueça aquela coleção de enciclopédias. Ele ocupa um oitavo da sua vida, e nada pode ser feito. Se seu armário fosse menor, tanto seria possível, e tanto espaço você teria... Para comer, dançar, comemorar e correr. Percebe agora?

Eis, portanto, o nosso problema: o armário é pequeno demais para todas as coisas que você pretende guardar, e, ao mesmo tempo, grande demais em relação ao tamanho de seu quarto.

A SOLUÇÃO

Então eu pensei: como fazer um armário que fosse simultaneamente espaçoso e compacto? Parece impossível? Einstein sabe que não. Quando imprimimos velocidade a um objeto, este ao mesmo tempo ganha massa e sofre contração em seu tamanho. Deste modo, se fizermos com que um armário viaje a uma velocidade próxima à da luz, teremos um objeto menor e mais massivo. Isso nos permitirá construir enormes armários que ocupam um reduzido espaço dentro do quarto. As vantagens? Muitas:
  • A enorme velocidade fará com que o armário fique muito maior e muito mais compacto, proporcionando-lhe mais espaço interior e exterior;
  • Coisas que antes eram reservadas para o porão poderão ser acondicionados em seu armário, como bicicletas, material de construção, ferramentas, etc;
  • Você poderá organizar um ateliê de costura, pintura ou fotografia, ao seu gosto, e ainda assim sobrar espaço para a sua coleção de sapatos e casacos;
  • As suas roupas, devido ao efeito da dilatação temporal, parecerão envelhecer mais devagar, o que significa roupas mais duradouras e preservadas;
  • Você poderá dormir dentro do armário, e assim envelhecer mais lentamente;
  • O seu dinheiro estará livre dos efeitos inflacionários;
  • E muito mais.
"O que acontece quando unimos a Física Moderna com a indústria moveleira?", eu brinco. "Armários viajando a uma velocidade próxima à da luz", eu respondo. Minhas lentes de contato já conseguem refletir as verdinhas; meu coração já se refestela em ouro e porcelanas caras.

Ah, o brilhantismo... Tão raro e tão fugaz. Como eu sempre digo, o mundo está na palma de sua mão, bastando poder. Digo, querer. Não, é poder mesmo. Quem quer não pode se não pode. Mas quem pode e quer é alguém em ação. Dêem-me um pouco de velocidade da luz, um pouco de conhecimento elementar em física e um pouco de cega confiança em meus valores estéticos, e eu transformarei a Terra em uma parque de diversões. Para o bem. Para o mal.