quinta-feira, 21 de abril de 2011

Oh, Caudilho, leva-me este cacto

- Por que você quer saber? - eu pergunto.
- Porque é isso o que pessoas normais fazem! - responde-me a sabedoria encarnada.

Bom, se concordo ou discordo, a verdade é que eu realmente não sei o que pessoas normais fazem, o que pensam, como interagem, e quanto mais as analiso menos quero saber. Vejamos, segundo esse ser superior que se ergueu contra minha reclusão, pessoas normais fazem perguntas. Pessoas normais igualmente trapaceiam, tecem comentários incoerentes, fazem cálculos errados. Se um fenômeno ocorre com determinada freqüência, a sua correção não será proporcional a essa mesma freqüência. A natureza fede, apodrece. Espécies inteiras esforçam-se para se adequarem ao ambiente, o qual as condiciona e as maltrata, e a todo instante correm o risco de serem dizimadas. A natureza (sinceramente, isso devia ser óbvio) erra. Logo, normalidade não é critério, é fato, e não serve como argumentação.

Para mim, o mundo bem que poderia se parecer com aquilo que imagino que Titã deva ser: um mundo gelado, encoberto de brumas e povoado de lagos silenciosos. E, nesse mundo, não haveria chatos a me fazerem perguntas que não devem. Não porque suas perguntas sejam esdrúxulas, mas pelo singelo fato de que, quando educadamente indago do motivo de sua pergunta, é porque não o considero autorizado a saber. Entenda, não porque o considero burro, ou mesmo pedante, ou mesmo de modos asquerosos e impertinentes, mas se eu mesmo não contei a você é porque eu não quero que você saiba. É difícil?

O mundo é assim: uma algazarra aviltante a que eu pacientemente tento enxergar uma ordem. Por favor, não pense que eu me juntarei a isso pelo mero fato de que eu o compartilho com você. Há fatos que eu não posso controlar, e nem por isso os encaro como corretos.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Melhores dias

Eu inventei uma piada e não sei o que faço com ela. Infelizmente tive a idéia durante meu estágio, distante de qualquer pessoa que pudesse rir dela. Minha ansiedade era tanta que tive ímpeto de contá-la ali mesmo, mas demoraria tanto para explicar os detalhes, e seria tão penoso para mim gesticular de modo que entendessem melhor (eu não precisaria gesticular em outras ocasiões, o entendimento se daria por intermédio da imaginação), que desisti.

É assim: os alienígenas chegam à Terra, encontram um humano e falam: "Nós viemos destruir a Humanidade inteira porque ela se tornou uma ameaça a todo o planeta Terra, e não podemos nos dar esse luxo porque mundos que suportam a vida são raros no Universo". O humano, que é um professor/cientista/intelectual, responde: "Oh, meu Deus, vocês têm toda a razão. Somos maus mesmo. Ok, aceito". Mas então os alienígenas percebem que o humano estava ouvindo uma música e falam: "Oh, meu Deus, eles também ouvem Cat Power! Ok, não mais. Ainda há esperança". Daí eles desistem de destruir a Humanidade e vão embora.

A piada aceita qualquer outro artista. Coloquei Cat Power apenas como exemplo, mas poderia ser qualquer outra coisa. Aconselho um artista badalado, não necessariamente pop, mas de compreensão geral. Você pode contar para quem quiser, eu deixo. Atingi um ponto de não-egoísmo hoje. Nada me pertence. Sou átomo do Universo [abrindo os braços e empurrando a cabeça para trás com os olhos fechados].

domingo, 17 de abril de 2011

Roleta Russa, que me fizeste?

Foi numa sexta-feira, numa ocasião de faxina. Eu estava aqui, em meu apartamento, limpando o chão da cozinha, rabiscando a parede com molho de salsicha, quando então veio. Não bateu na porta, entrou rolando pelo chão úmido, se jogou contra o meu esfregão e não largava de jeito nenhum. Agarrado às tiras de pano, gritava meu nome, berrava que iria vencer antecipadamente todas as minhas contas, disse-me coisas atrozes. Eu, claro, botei no colo, afaguei, dei sopa. Na sujeira em que esperneava, eu, do alto de minha recém-indolência, tão arduamente adquirida, me condoía. Uma jóia rara, um anel que caía assim no dedo, não podia ser desperdiçado. A oportunidade escolheu a minha porta entre tantas outras, não cabia a mim, já hipnotizado pelo tempo, desprezá-lo.

Nem de longe, no entanto, quis tê-lo. Não o estimava, na sala não lhe velava, no centro da mesa não me chamava a atenção. Quando o encontrava, era como um tropeço. Dentro do meu armário, na gaveta da escrivaninha, no fundo da geladeira, logo atrás da alface, guardado para supostamente mais tarde. Mas se me lembrava era somente em ocasiões de surpresa, de susto. "Você ainda aqui?". Os únicos momentos juntos foram no sofá, assistindo à novela das oito, enquanto ele servia de suporte para a minha bandeja de chá com pipoca. Às vezes chorava, soluçando um tanto, fazendo trepidar a xícara. Eu mudava o canal à sua revelia, sem me importar, distraído. Confuso, me olhava, súplice, e eu, clarividente como uma rocha pode ser, perguntava se queria mais gelatina ou se o som estava muito alto.

Não demorou e acabei enrolando-o em meu tapete. Era já noite, deixei minha sopa esfriando em cima da mesa. Abri a porta de meu apartamento e, do corredor, o desenrolei pela escada do edifício, e ele foi rolando, assim, até o térreo. Eu era tão pleno que não poderia perceber. Desci sobre o mesmo tapete e encontrei-o estendido, ofegante, quase morto lá embaixo. Abri a porta e ele foi saindo, deixando um rastro de terra às suas costas. Voltei e terminei o meu jantar. A sobremesa demoraria, mas eu a esperava como esperaria a sua volta. E, de hipótese em hipótese, vaguei, imaginando seus próximos destinos, até que, de cômodo em cômodo, se desfizesse e eu também. Olhei pela janela, pelas ruas pairava uma densa neblina. De vulto em vulto, ele poderia estar em qualquer um daqueles carros. Permaneci em vigília até que amanhecesse.