sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Enviado Especial

Desde a primeira vez em que bati os olhos numa extensa lista de títulos usados pelo Grande Líder (devo chamá-lo assim?) da Coréia do Norte, Kim Jong Il - que pode ser livremente consultada aqui -, tenho-me esforçado em forjar eu mesmo mais um título que agrade à Pessoa Suprema. No entanto, era com angústia que eu constatava que jamais poderia superar algo como Supremo Líder da Nação ou Grande Sol do Séc. XXI.

E passava tristes horas assim, frustrado, esperando o ônibus em um banco cinzento e aspirando fumaça de cigarros. Até que, ainda esta manhã, um pouco antes de eu dirigir-me aos salões brilhantes da comida coletiva, entregaram-me este panfletinho de MÉTODO BADRA: PARA ESTUDIAR MEJOR (ative sua inteligência, concentre-se melhor, potencie sua memória e leia muito mais rápido), o qual reproduzirei apenas no que me interessa:

"(...) Galardonado por la Academia de las Naciones con Distinción Académica Internacional de Honored Fellow de la Cámara Top de la Meritocracia (Altas Esferas de la Humanidad) en carácter de Máxima Jerarquía, declarándolo Patricio de la Humanidad Solidaria del capítulo argentino (...)".

No começo, senti-me um pouco atordoado, e as palavras demoraram um pouco a fazerem-se ouvir em minha mente. Sem olhar a comida, e sequer notando dessa vez as maneiras aviltantes de meu colega ao lado, absorvia-me nesse enigma. Mas, então, entendi. E não importa quem e o que são todas essas instituições. Aprendi muitas coisas em tão pouco tempo e em tão poucas letras que me é difícil explicar-lhes - vocês, prisioneiros das sombras - esse sol que me ilumina e me cega.

Oh! Patrício da Humanidade Solidária! Oh! General da Máxima Hierarquia! Oh! Querido Líder, Aquele Que Descende das Altas Esferas da Humanidade! Jamais me esquecerei do dia em que, sentado diante de um prato frio de batatas com ervilhas, ecoou seu terrível nome pelas plagas etéreas de meu espírito. E como tremeram as ruínas de prístina saudade! E como eram distantes e fundos meus olhos!

Ah! Carlos Badra e tantos outros! E a faca escorregava ruidosamente pelo prato quase vazio. Criava toda uma extensão de verdejantes colinas onde estariam proibidos de pisar, onde suas expressões vulgares de satisfação pessoal seriam desonrosas. Planejava as medidas exatas de uma janela, e, através, contemplava todo um reino imerso em diáfana luz. Indagava-me, porém, se também não seria isso a que eu também aspirava. A vaidade e o orgulho que os alimentam seriam os mesmos que os meus? Ou eu teria outros fundamentos? E teria sido terrível reconhecer e desfazer o que com tanto afã eu beijei.

Então, não, não quis encontrar resposta. Pois eu escolhi, ao invés, pela extensão dessas colinas, plantar um bosque de pinheiros, sobre o qual, de quando em quando, eu relançasse uma vaga mirada desde o gabinete, cheio de paciência e distância. E é por isso que pude levantar-me quase purificado de meu assento, entregar a bandeja de comida e seguir com meus afazeres, orientado por uma diretriz de ação e pensamento muito distinta - assim julgo eu. E basta.

Pela mesma razão, entrego a você, Kim Jong Il, esse título que encontrei e, de um delírio, quase me apoderei. E podem usá-lo sem que necessitem seqüestrar-me (as notícias de seqüestro de cidadãos japoneses mexeram comigo, tenho que confessar) ou render-me qualquer homenagem. Oh, não! Não quero suas homenagens assim como não quero constar em uma lista em que figurem os nomes de Carlos Badra e Augusto Cury.