domingo, 13 de março de 2011

Gólgota iluminado

Há um fenômeno que vem ocorrendo em meu quarto há pelo menos cinco anos. À noite, uma única abelha entra em meu quarto através de pequenos buracos em minha janela e voa em direção à lâmpada. A lâmpada, por sua vez, é protegida por uma cúpula de vidro, de modo que a abelha, voando em direção à lâmpada, consegue facilmente entrar mas não sair. Ela luta desesperadamente por sair e ao mesmo tempo sentindo-se atraída pela luz. Certamente seu corpo deve sentir dor enquanto se debate contra a lâmpada, ou algo semelhante a dor. "O constante contato com o forte calor da lâmpada e o excessivo dispêndio de energia são causas fatais", garantem os especialistas. A abelha zumbe por muito tempo até morrer. Minhas reações, ao seu turno, consistem em:
  1. Sentir medo, pois se não morrer e conseguir escapar, ela vai voar para cima de mim e... me matar;
  2. Sentir irritação, pois não consigo me concentrar com seu zumbido de agonia;
  3. Sentir pena, pois afinal é um ser vivo, que produz mel e é bonitinho;
  4. Sentir ânsia, pois a expectativa da morte não é das mais agradáveis.
Geralmente acabam morrendo. Em casos mais raros, há as que conseguem escapar. Das que conseguem escapar, algumas delas acabam morrendo no chão do meu quarto pois, ou estão muito fracas para voar, ou suas asas estão bastante danificadas, ou mesmo ambos, enfim. Uma delas eu tentei salvar resgatando-a do chão e colocando-a para fora de meu quarto em uma folha de papel, mas ela não voou e acabou caindo feito um inseto sem asas no chão da garagem. Ela ainda estava viva. Fracassara. Mas há, no entanto, aquelas que escapam completamente da morte e conseguem voar através da janela rumo às suas casas, vitoriosas.

Minha conclusão: estou presenciando a evolução natural das abelhas. Só aquelas inteligentes e fortes o bastante para escaparem da prisão de vidro e sobreviverem à armadilha transmitirão seus genes superiores às gerações seguintes. Meu trabalho: observar e não ajudar as fracas, garantindo, assim, que somente as aptas sobrevivam. A natureza: sutil e asquerosa como a picada de um inseto. A lâmpada de meu quarto: um pequeno gólgota randomicamente escolhido pelas abelhas para ali acharem a sua ruína e seu futuro geneticamente melhor. Amém.

2 comentários:

Lucas disse...

As abelhas que chegam no seu quarto com certeza são estéreis e vivem muito pouco tempo de qualquer modo. Abelhas são descartáveis, o verdadeiro organismo é a colméia.


Outros insetos, por outro lado, podem estar sofrendo esse tipo de pressão evolucionária de verdade.

Murilo Munoz disse...

Snif... Essa informação acaba por esterilizar o meu texto. É por isso que vou apagá-lo, ocultar essa informação, persegui-la na internet, até que a minha mentira torne-se verdade.