terça-feira, 8 de março de 2011

Traço 9

O PROBLEMA

Pois bem, a constituição do que denominamos de "boa-vida" tem se tornado cada vez mais difícil, e os caminhos que a ela conduzem estão cada vez mais raros e difíceis de serem tomados. Dados obtidos da Universidade de Colúmbia demonstram que, hodiernamente, a formação rápida e fácil da fortuna não pode ser obtida através senão da patente de um invento. A apropriação psiquíco-privatístico-financeira de uma descoberta, embora moralmente controvertida nos meios vulgarmente denominados "hipongas", permite ao seu autor não somente fama, coisa que cada vez é mais dispensável e vago em nossa sociedade, mas, sobretudo, dinheiro suficiente para condicionar uma vida de ócio e luxo. Há os que aduzem que resultados semelhantes podem ser observados em atividades como "apostar" na bolsa de valores. No entanto, "apostar" na bolsa exige perspicácia, coisa não muito observável em quem procura o ócio. Ou, ao menos, o que procuro não pode ser alcançado senão por métodos intuitivos e desconcentrados em objetivo.

Foi pensando nisso que resolvi dedicar o meu tempo em busca de algo absolutamente novo e útil, algo pelo qual as pessoas sonham em ter mas sequer imaginam como isso seria possível. E, olhando para o meu quarto, percebi que certo objeto ocupa estranha e insistentemente pelo menos um oitavo do espaço disponível: o armário. Pode não parecer muito, mas leve-se em consideração que em um quarto deve haver minimamente uma cama, uma cadeira, uma mesa/escrivaninha e um armário. Se um quarto possui 12 m², supondo que uma cadeira ocupa 1 m², uma cama 2,16 m², uma escrivaninha 1,8 m² e um armário 1,5 m², temos então que pelo menos 6,46 m² do espaço encontra-se ocupado por um objeto sólido e relevante, restando, ainda, 5,54 m² por onde transitar. O que foi? Ainda não conseguiu visualizar o problema? Pois saiba agora.

O seu armário ocupa, em geral, um oitavo do espaço não porque um armário deve ocupar um oitavo do espaço, mas simplesmente porque esse é o máximo de tamanho que consegue alcançar. E, no entanto, sabemos que esse tamanho não é suficiente para abrigar todas as nossas coisas. Ventiladores, casacos, cachecóis, miniaturas de ídolos pagãos, patins, balas de hidrogênio, jogos de tabuleiro. Todos eles e muito mais competindo aguerridamente por um espaço tão limitado. "Onde guardarei o meu exoesqueleto?", você pensa. "Onde porei meus vestidos de casamento?", você se espanta. As portas não ficam maiores através da vontade. Novas prateleiras não surgem por mágica, nem que você pranteie o mundo. Seu armário é diminuto para fins práticos, e não porque você precisa de menos coisas.

Além do que, repare que o espaço ocupado pelo armário impossibilita a plena manifestação da vida em seu quarto. Imagine como seria bom ter um sofá de três lugares em seu lugar. Imagine que incrível poder dar uma festa em seu quarto, com direito a luminárias, castiçais e pista de dança. Contudo, contudo... O seu armário ocupa um oitavo de seu quarto, e nada disso poderá ser feito. Esqueça aquele mostruário de elementos químicos raros. Esqueça aquela coleção de enciclopédias. Ele ocupa um oitavo da sua vida, e nada pode ser feito. Se seu armário fosse menor, tanto seria possível, e tanto espaço você teria... Para comer, dançar, comemorar e correr. Percebe agora?

Eis, portanto, o nosso problema: o armário é pequeno demais para todas as coisas que você pretende guardar, e, ao mesmo tempo, grande demais em relação ao tamanho de seu quarto.

A SOLUÇÃO

Então eu pensei: como fazer um armário que fosse simultaneamente espaçoso e compacto? Parece impossível? Einstein sabe que não. Quando imprimimos velocidade a um objeto, este ao mesmo tempo ganha massa e sofre contração em seu tamanho. Deste modo, se fizermos com que um armário viaje a uma velocidade próxima à da luz, teremos um objeto menor e mais massivo. Isso nos permitirá construir enormes armários que ocupam um reduzido espaço dentro do quarto. As vantagens? Muitas:
  • A enorme velocidade fará com que o armário fique muito maior e muito mais compacto, proporcionando-lhe mais espaço interior e exterior;
  • Coisas que antes eram reservadas para o porão poderão ser acondicionados em seu armário, como bicicletas, material de construção, ferramentas, etc;
  • Você poderá organizar um ateliê de costura, pintura ou fotografia, ao seu gosto, e ainda assim sobrar espaço para a sua coleção de sapatos e casacos;
  • As suas roupas, devido ao efeito da dilatação temporal, parecerão envelhecer mais devagar, o que significa roupas mais duradouras e preservadas;
  • Você poderá dormir dentro do armário, e assim envelhecer mais lentamente;
  • O seu dinheiro estará livre dos efeitos inflacionários;
  • E muito mais.
"O que acontece quando unimos a Física Moderna com a indústria moveleira?", eu brinco. "Armários viajando a uma velocidade próxima à da luz", eu respondo. Minhas lentes de contato já conseguem refletir as verdinhas; meu coração já se refestela em ouro e porcelanas caras.

Ah, o brilhantismo... Tão raro e tão fugaz. Como eu sempre digo, o mundo está na palma de sua mão, bastando poder. Digo, querer. Não, é poder mesmo. Quem quer não pode se não pode. Mas quem pode e quer é alguém em ação. Dêem-me um pouco de velocidade da luz, um pouco de conhecimento elementar em física e um pouco de cega confiança em meus valores estéticos, e eu transformarei a Terra em uma parque de diversões. Para o bem. Para o mal.

Um comentário:

Nina. disse...

Você deveria usar o maior dos métodos hipongas: diminuir suas necessidades. Você NÃO precisa de todas essas coisas.

Ah, esqueça isso. Venda esse texto para alguma publicação de respeito e adquira mais coisas para colocar em seu armário que se move em velocidade próxima à da luz.