domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ovos de páscoa mesopotâmicos

Homens, cachorros, mulheres e bicicletas, todos agora devem saber de meu achado. E se for verdade que falo coisas sem sentido, e se for verdade que invento coisas e falseio emoções, quero que algo bem impossível aconteça. Pelos céticos, jejuarei e guardarei os dias de Lua Cheia, e se isso não for o bastante, mandarei lembranças de meu jazigo. Quanto aos demais, que as doninhas os comam. Ou os corvos, não faço distinção onde há.

Pois bem. Enquanto eu circunavegava o mundo, povoado de vermes, insetos, lodo e outras asquerosidades da natureza, planejando convertê-lo sob o jugo de minha tirania em vidro e aço cinzento, eu os descobri. Sim, os próprios. Mesopotâmicos ovos de páscoa embrulhados em papel alumínio policromo, surgidos assim, inesperados, bem diante de meus olhos. E ante sua extravagante, aberrante e desarmoniosa aparição, prostrei-me fiel. Mais uma vez.

Sob o seu encanto, abri os meus salões, e até mesmo a Joelma e o Pixinguinha puderam entrar. Qualitativamente, não houve restrição, e qualquer um que se dispusesse a vestir mais de três cores, e qualquer um que ousasse se emaranhar em tecidos espelhados e serpentinas tinha a chance de divertir-me e de merecer meu agrado. Alguns, não devo esconder, tiveram a minha piedade, mas jamais o meu desprezo.

Pois tais ovos mesopotâmicos não são meros prismas, mas religião; alienada, dramática e deslumbrante. Positrônico, cachos de banana, propulsores intergalácticos; não são definições, mas seus rebentos. Eles crescem com plástico amarelo, em painéis eletrônicos, variando facilmente entre o ridículo e o bizarro, sempre em excesso. São como florestas tropicais, mas as folhas são de celofane e a chuva de etano líquido.

Não, é claro que ninguém gostaria de viver entre eles. Pertencem à mesma dimensão dos sonhos, não é possível sequer tocá-los, ao menos que você tenha perdido a noção de realidade. Estão envolvidos com a liberdade de fluxo, ou melhor, com a espontaneidade, trajetórias sem coordenadas e sem cálculo. Não vou mentir, eles têm mais de um aspecto: o encanto e a repulsa, a idiotice e a genialidade.

É possível trajá-los por certo tempo, mas deles se enjoa rapidamente, e mesmo é aconselhável que se enjoe e os largue a um canto qualquer. Caso contrário, provável que se torne um ridículo irresponsável. Em verdade, são idéias sublimadas, e por isso idéias para algumas ocasiões. Não há como vesti-las para ir à padaria ou ao cinema. Exigem para a sua aparição um espaço especial onde a sua excentricidade possa ser desejada.

Exige um espaço especial? Sim, mas ele não está pré-configurado em lugar algum: os ovos mesopotâmicos desencadeiam tal espaço, de modo que o que eu falei a respeito de vestir ovos mesopotâmicos para ir na padaria é bastante relativo, pois não é verdade que existem lugares próprios para a sua aparição, no sentido de predeterminados.

Não sei se estou sendo claro. Exclua o lado sombrio, o lado profano e o lado fashion, e ainda assim não se chega aos ovos mesopotâmicos. É algo mais específico. Está próximo do fashion, mas o fashion é demasiado sisudo perto dos ovos mesopotâmicos. É preciso um salto maior. Um salto de maior liberdade para se atingir uma beleza bastante peculiar: se você dançasse ovos mesopotâmicos, você não dançaria sexy, embora você exalasse carne e sangue. Enfim, enfim...

Eu venderia a minha alma por tais ovos. Infelizmente, o jarro estava vazio quando fiz a oferta, e eu não tinha mais nada que pudesse interessar o dono dos ovos. Então quebrei o jarro na cabeça dele e saí correndo com a cesta. Mas, chegando em casa, a cesta encontrava-se vazia novamente. Sentei no parapeito da janela e comecei a escrever. Sem jarro, sem, alma, sem ovos.

Se não ficou claro o que é um ovo de páscoa mesopotâmico, isto aqui é um bom exemplo: http://www.youtube.com/watch?v=BW3gKKiTvjs. Sim, a letra é baseada no livro homônimo: O Morro dos Ventos Uivantes [:)]. Sim, ela está dançando como um legítimo ovo de páscoa mesopotâmico.

Um comentário:

Nina. disse...

olha, esse texto diz muito....