Quando minha dentista disse - e eu interpretei o seu tom como cínico entusiasmo - que eu teria que usar aparelho para o resto de minha vida, eu quase acreditei. É claro que, para ela, não há nada nessa vida que substitua seus rigorosos instrumentos, e ela mesma mandaria toda sua técnica em forma de ondas através do espaço sideral. A ditadura do aparelho se instalaria. As crianças seriam condicionadas a venerá-lo e a temê-lo. O aparelho seria objeto de culto, todos as manifestações girariam ao seu redor. Por toda a minha vida. Antes eu achava que era uma sentença de condenação, mas não era isso, ou pelo menos não só isso. Era a importância e devoção de seu trabalho triunfando.
Certa vez, um advogado, em semelhante atitude, explicou para mim, e Deus sabe como me era difícil fingir interesse, que o Direito deveria ser lecionado em todos os cursos superiores. Na verdade, todos deveriam saber Direito. Isso lhes abriria em muito a compreensão do mundo. Evidentemente. Mas hoje eu respondo que qualquer outro ramo enriqueceria igualmente suas vidas. Eu mesmo deveria saber muito mais de informática e de engenharia elétrica, pois isso facilitaria muito o meu cotidiano. Botânica, sociologia, psicologia, gramática, todos pretendendo um monopólio de importância. Bom, na verdade, devo confessar que os ramos que geralmente fazem isso pertencem à área de humanas.
Claro que aparelho ortodôntico e processo civil são coisas importantes para a vida de qualquer cidadão. Não estou negando isso. Claro que não. Não sou eu. É toda uma dinâmica ao redor deles que contradizem o triunfo da dentista histérica que gritava com suas funcionárias em público. Eu olho à minha volto e só vejo significâncias e importâncias. Ai - você suspira -, vou espalhar essas verdades achadas na calçada suja, envolver a todos em meu ideal precipitado, essa compreensão quase infinita de sentimentos bem guardados debaixo do braço. Mas então eu levo um tapa na cara e um galho despenca em cima do meu carro, que é para me mostrar que tudo é, na verdade, insignificante.
Eu, ao meu turno, soluciono esse problema com a simples crença de que nada é tão importante que mereça a glória. Pode-se acreditar, quando se toma um objeto isolado, que, isolando-o e fazendo-o girar lentamente na sua mente num vazio ideal, ele é o próprio umbigo do mundo. Porém, eu prefiro basear toda a minha conduta na idéia de que todas as coisas existem da mesma forma e que, por isso, não possuem graus de hierarquia entre si. É nesse sentido que uma casa é feliz da mesma forma que uma pessoa é. Mas óbvio que essa crença desenvolvida aqui igualmente é uma dentre tantas coisas, e, por isso mesmo, ausente de qualquer significado quando isolada. Risos, pois agora eu tornei todo esse texto desnecessário. Com licença, senhores, que agora tentarei salvá-lo de sua autodestruição.
3 comentários:
Se todo mundo que diz "Todo curso superior deveria aprender X" fosse ouvido, todos os cursos superiores durariam 10 anos.
No mais, queria retwittar esse post, mas lembrei que aqui é um blog. Será que você não pode dividir o texto em seções de 140 caracteres para que eu possa satisfazer essa vontade?
Eu cheguei a vibrar com esse texto. Até que o último parágrafo derrubou um galho no meu carro.
A nota é necessária, sério?
Nina: sim, você tem razão. acho que devemos evitar dicas, cutucadas e auto-referências. tirei.
Lucas: quer que eu embrulhe para presente?
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