Há certas criaturas diante das quais me sinto impotente, como se Lothlórien perdesse realidade a medida que se aproximassem com seus costumeiros grasnados e arrastar de trapos, que é a maneira como geralmente vêm ao nosso mundo e assim tornam-se conhecidas para nosso espanto e horror. São espécimes pestilentas encerradas em seus primitivos modos de pensar, cuja vista faz com que eu perca o meu chão e seja arrastado em direção a suas profundezas lodosas e incultas. Em vão aponto-lhes os meus anéis do poder, e os prismas incandescentes que o cravejam vão se apagando um a um ante sua estéril escuridão. E, então, esqueço-me de todas as razões para crer nas medidas exatas e imutáveis com que insistia em trabalhar.
Certa vez, e é por pudor e não por bondade que não revelo sua localização, nome, estatura e idade, uma senhora proferiu, transcrevo palavra por palavra, como se fosse da própria natureza da natureza mastigar o que há de mais belo com sua língua coberta de areia, essa estranha sentença: "Detesto flor!". Mas o que há de mais, nisso? - perguntam-me. Afinal, dizer por dizer em nada ofende de concreto, revelando, no máximo, sua pobreza de espírito ao rejeitar a aparência terrena da Beleza. Acontece, entretanto, que isso foi dito logo após ter matado uma árvore através da aplicação de veneno diretamente em sua raiz. A árvore era daquelas muito comuns na cidade que dão flores amarelas e miúdas, e, volta e meia, são assunto do jornal local, pois, naturalmente, nada mais interessante do que árvores que derramam folhas e flores pela calçada. A árvore secou e agora o sol atravessa inexoravelmente escaldante a sua copa sem folhas. Em compensação, sua calçada permanece, desde então, limpa (e feia - ou vocês esperam que alguém assim tem alguma idéia do que é um lar bonito e agradável?), e ela não precisa mais arquear as suas costas para varrer.
Certa vez, e é por pudor e não por bondade que não revelo sua localização, nome, estatura e idade, uma senhora proferiu, transcrevo palavra por palavra, como se fosse da própria natureza da natureza mastigar o que há de mais belo com sua língua coberta de areia, essa estranha sentença: "Detesto flor!". Mas o que há de mais, nisso? - perguntam-me. Afinal, dizer por dizer em nada ofende de concreto, revelando, no máximo, sua pobreza de espírito ao rejeitar a aparência terrena da Beleza. Acontece, entretanto, que isso foi dito logo após ter matado uma árvore através da aplicação de veneno diretamente em sua raiz. A árvore era daquelas muito comuns na cidade que dão flores amarelas e miúdas, e, volta e meia, são assunto do jornal local, pois, naturalmente, nada mais interessante do que árvores que derramam folhas e flores pela calçada. A árvore secou e agora o sol atravessa inexoravelmente escaldante a sua copa sem folhas. Em compensação, sua calçada permanece, desde então, limpa (e feia - ou vocês esperam que alguém assim tem alguma idéia do que é um lar bonito e agradável?), e ela não precisa mais arquear as suas costas para varrer.
Não, esse ser não é meu igual, e vejo-a com muita preocupação. Alguém que é incapaz de distinguir aquilo que é seu daquilo que é comum aos outros merece, no mínimo, atenta vigilância, da mesma forma como se age para com crianças. E, mais, alguém que é incapaz de compreender que no mundo coexistem valores que exigem sua observância, e um deles é o Belo, coloca em risco a própria preservação da realidade humana, pois é como se o mundo morresse no espaço em que ocupa, através de sua ignorância e aridez de pensamento. Não acho que representem de modo algum uma espécie de natural diversidade de pensamento a qual somos freqüentemente confrontados e tentamos nos conciliar. São antes ausência e elas estão erradas na maneira como respondem ao cotidiano. Suas ações estão calcadas em um terreno que é para mim absolutamente incompreensível, e não consigo encontrar uma razão que explique seu estado de incompletude cultural, carentes de uma base civilizatória mínima.
Entretanto, enquanto fico a tentar entendê-las, passo muitas horas imaginando maneiras de retirá-las de nosso mundo sem que isso resulte em qualquer violência. A melhor delas, a meu ver, seria embarcá-las em um expresso para o Sítio do Pica-Pau Amarelo, onde, tenho certeza, dar-se-iam muito bem. Iriam para longe, assim, do alcance de nossos olhos, partindo suavemente em um lindo trem vermelho em algum terno entardecer, subindo os morros verdejantes e, logo em seguida, descendo-os a todo vapor, até que, finalmente, desaparecesse atrás do horizonte, deixando no ar uma coluna de fumacinha que igualmente esvanecer-se-ia em uma confusão de espaço e tempo. Para longe, longe... E, uma vez lá, poderiam fazer parte de toda sorte de aventuras de Pedrinho e Narizinho, habitando os cantos escuros da floresta, adormecidos sob pedras lodosas ou resmungando dentro de algum tronco podre. Eu, particularmente, enterneço-me em imaginar essa senhora perambulando pelos arredores do Sítio, a palrar coisas sem sentido e, certamente, engraçadas: "Nhag. Detesto flor. Nhag". Seria chamada carinhosamente por Emília de "a velha louca do pântano", aprontando travessuras e eventualmente servindo de antagonista nas historinhas. Tramaria maldades com a Cuca e Tia Nastácia as expulsaria com vassouradas em suas costas, que é para aprenderem a ficar longe de sua cozinha e pararem de roubar os deliciosos bolinhos. Sim, eu tenho um sonho.
Mas - oh, não! -, não pensem que se apagariam completamente de nossa memória. Seriam constantemente revividas através dos livros, produzidas fantasmagoricamente entre páginas amareladas pelo tempo e pelo desgastar das lembranças. Chegariam a nós como uma distante e impalpável história, como se fossem personagens de folclore, quando somente a partir de então essas criaturas das mais extraordinárias e grotescas poderiam fazer algum sentido. E, assim inofensivas, feitas de imaginação e vaguidão, aqueceriam nossos corações durante as noites, quando então ouviríamos sobre a Velha Louca do Pântano que tacara veneno em uma árvore, mas que foi logo salva com a ajuda dos preciosos conhecimentos do Visconde de Sabugosa.
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