sábado, 12 de novembro de 2011

Sou de adamantium

- E quanto o senhor acha que isso sairia?
- Hum... Deixe-me ver... Tira aqui, ajeita ali, puxa, repuxa... Hum... Duzentos e quarenta pesos.
- Du... du... zentos e quarenta pesos? Bom, eu esperava algo como cinqüenta. [leva a mão ao cabelo].
- Ah! Ah! Ah! Não.

Enquanto girava a chave entre meus dedos, impunha velocidade ao meu raciocínio tanto quanto podia, pois não queria que o alfaiate chileno lesse em minha alma a confusão moral que eu tão inesperadamente passei a infligir-me. Terminei por largar aquele vulto enorme e negro sobre seu balcão, sob a promessa de que em quinze dias eu retornaria para pegá-lo. Livrava-me daquilo que havia se tornado quase um corpo mumificado, a espera do Juízo Final, e com a bolsa agora vazia seguia meu caminho. Tentaria não mais pensar no assunto, como se não pudesse haver volta, uma decisão cometida que de seus despojos apenas se ocupariam os policiais por curiosidade e sem esperança.

E, no entanto – o que fizeste! o que fizeste! -, mais cedo ou mais tarde eu teria que ir ao sapateiro para que me consertasse a alça de minha bolsa, que estava rota e apresentava desde então uma atadura de barbante que eu havia improvisado. E quanto me cobraria dessa vez? Mais cem pesos? E não posso esquecer-me também da pulseira de meu relógio, que igualmente havia arrebentado e tive que expender trinta e cinco pesos por uma nova. Tudo agora se me afigura tão caro e cansativo. Meus tênis, minhas roupas, tudo parece estar se desfazendo sem que, contudo, possa eu dar uma solução satisfatória.

De qualquer modo, não há mais jeito. Está enterrado. O peso da vida que reclama ao meu mundo de sonhos suas necessidades inadiáveis arrasta-me em seu grande redemoinho sem fim. E o que farei? Chamar o alfaiate, o sapateiro, o relojoeiro e toda esses senhores para quem devo abrir minha carteira ou mostrar minha amabilidade e gratidão e convidá-los a dormir? E, assim, enrodilhados uns sobre os outros, elevar-nos sobre o mundo até que na noite resplandeçamos como uma constelação distante e indistinguível (perguntar-se-ão, os que ficaram, o que seriam aquelas figuras, se carneiros, leões, cervos)?

Ah, não... Desta solução também estou cansado. Que revirem o quanto queiram os panos de meus bolsos. Que arranquem e façam deles lenços, encantadores atavios, que eu, tão insurgente quanto qualquer um deles, sairei pelas ruas arrastando meu casaco de alta-costura e boas maneiras. E a população, pasmada ante minha aparição repentina, como que descendendo por uma longa escadaria ao grande salão, abanará seus grandes leques, tomada de grande calor e confusão, pois que nem a véspera de uma bancarrota foi capaz de fazer-me renunciar a esse belo mundo de sonhos.

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