- E quanto o senhor acha que isso sairia?
- Hum... Deixe-me ver... Tira aqui, ajeita ali, puxa, repuxa... Hum...
Duzentos e quarenta pesos.
- Du... du... zentos e quarenta pesos? Bom, eu esperava algo como
cinqüenta. [leva a mão ao cabelo].
- Ah! Ah! Ah! Não.
Enquanto girava a chave entre meus dedos, impunha velocidade ao meu
raciocínio tanto quanto podia, pois não queria que o alfaiate chileno lesse em
minha alma a confusão moral que eu tão inesperadamente passei a infligir-me.
Terminei por largar aquele vulto enorme e negro sobre seu balcão, sob a promessa
de que em quinze dias eu retornaria para pegá-lo. Livrava-me daquilo que
havia se tornado quase um corpo mumificado, a espera do Juízo Final, e com a
bolsa agora vazia seguia meu caminho. Tentaria não mais pensar no assunto, como
se não pudesse haver volta, uma decisão cometida que de seus despojos apenas se
ocupariam os policiais por curiosidade e sem esperança.
E, no entanto – o que fizeste! o que fizeste! -, mais cedo ou mais
tarde eu teria que ir ao sapateiro para que me consertasse a alça de minha
bolsa, que estava rota e apresentava desde então uma atadura de barbante que eu
havia improvisado. E quanto me cobraria dessa vez? Mais cem pesos? E não posso
esquecer-me também da pulseira de meu relógio, que igualmente havia arrebentado
e tive que expender trinta e cinco pesos por uma nova. Tudo agora se me afigura
tão caro e cansativo. Meus tênis, minhas roupas, tudo parece estar se
desfazendo sem que, contudo, possa eu dar uma solução satisfatória.
De qualquer modo, não há mais jeito. Está enterrado. O peso da vida
que reclama ao meu mundo de sonhos suas necessidades inadiáveis arrasta-me em
seu grande redemoinho sem fim. E o que farei? Chamar o alfaiate, o sapateiro, o
relojoeiro e toda esses senhores para quem devo abrir minha carteira ou mostrar
minha amabilidade e gratidão e convidá-los a dormir? E, assim, enrodilhados uns
sobre os outros, elevar-nos sobre o mundo até que na noite resplandeçamos como
uma constelação distante e indistinguível (perguntar-se-ão, os que ficaram, o
que seriam aquelas figuras, se carneiros, leões, cervos)?
Ah, não... Desta solução também estou cansado. Que revirem o quanto
queiram os panos de meus bolsos. Que arranquem e façam deles lenços, encantadores
atavios, que eu, tão insurgente quanto qualquer um deles, sairei pelas ruas arrastando
meu casaco de alta-costura e boas maneiras. E a população, pasmada ante minha
aparição repentina, como que descendendo por uma longa escadaria ao grande
salão, abanará seus grandes leques, tomada de grande calor e confusão, pois que
nem a véspera de uma bancarrota foi capaz de fazer-me renunciar a esse belo
mundo de sonhos.
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