No supermercado aqui perto, quando você faz uma compra superior a certa quantia, eles emitem um comprovante da sorte: você ganha um desconto de 30% em determinada bolacha, sabão em pó e até mesmo entradas para cinema. Eu sempre olhava atrás desse papel para ver se eu tinha ganhado alguma coisa (um desconto de 10% em chocolate seria algo maravilhoso para mim). E isso sempre com muita discrição, muita sabedoria. Nunca ganhei nada, nadinha, pois imagino que as compras que faço são em valor muito aquém ao necessário.
Acontece que, um belo dia, enquanto eu me dirigia às portas automáticas da libertação, o Sr. Guarda do Estabelecimento flagrou-me olhando o comprovante para ver se tinha alguma coisa. E, como se isso não fosse o bastante, ele sorriu. Ele sorriu, e de tantos dentes e em tais fileiras corretas que não tive dúvida. Meu Deus, ele havia captado a minha expressão facial que, nesse momento, devia ser bastante idiota. Certamente havia notado aquela parte comunicável, o lado miserável de todo ser humano, o que há de pior em mim e em todos nós. Havia visto a ânsia pueril em meus olhos, o brilho mesquinho, os músculos dispostos a formar o ar daquele personagem tonto e fútil que há em todo consumidor. Eu era um consumidor e ele havia percebido isso!
E, agora, como esquecer aquele sorriso escandaloso, luxurioso, indecente, aberto em meia-lua púrpura e, desde a sua libré encarnada em panos cinzentos e sem viço, usurpador? Como afrontar aquele sorriso de caçador satisfeito e de certa forma compadecido, de quem vê a caça que, tão ingenuamente, tão ridiculamente, procurava abrigo em meio aos arbustos? Recorrer a uma adaga mágica e magicamente cortar-lhe o sorriso e expô-lo em praça pública para que sirva de exemplo? Não, claro que não. Apressar o passo, maldizendo-o por todo o caminho e arrastando panos e mais panos, tiras e tiras de seda e, se possível, abrir a sombrinha de um golpe seco e preciso, apoiando-a levemente em meus ombros e virando-lhe as costas e a existência inteira? Sim, eis a única solução coerente.
Maldito guarda. Será que não sabe que vivo de sutilezas, de precauções, de um complicado cálculo de equilíbrios e desequilíbrios, movendo cuidadosamente pesos de cobre sobre o tabuleiro? Pois desde então, quando recebo o comprovante do atendente do caixa, eu amasso imediatamente e atiro no lixo, que é para mostrar quem manda. O guarda que se cuide. Ou ele pensa que meu repertório é limitado como o deles, sim, eles, os outros, o resto? Aqui, minhas bandanas! Aqui, minhas caixas de lenço! Aqui, as escrituras de minas do Oeste, dos bordéis em Saint Louis, dos escritórios em Boston e Chicago! E eis meu arcabuz: quando eu terminar de carregá-lo, verá, meu senhor, a potência e alcance que tem.