sábado, 4 de fevereiro de 2012

Este não é um livro de sabedoria II

Estava o mestre com seus quatro discípulos ao redor da mesa para a última refeição. O mobiliário era modesto, e da pequena sala ocupavam apenas um ínfimo canto, espremidos todos numa única sombra. Tomando de uma cesta de pão, falou-lhes o mestre:
- Comei, que tudo é sagrado e substancial ao corpo.
- Até os cogumelos venenosos? - disse um dos discípulos, no que os demais abaixaram a cabeça e engasgaram com o vinho.
O mestre olhou-os como se não compreendesse o motivo do embaraçamento e, dando a cada qual um pão duro e pesado, respondeu-lhe:
- Até os cogumelos venenosos.
- Até a carne dos animais necrófagos? Até mesmo os frutos em estado de decomposição avançada? Até mesmo os vermes? - continuou o discípulo, no que os demais lançaram-lhe um olhar de reproche.
- Sim - disse o mestre fitando seu copo, indiferente.
E nada mais disse. Discípulos e mestre terminaram de mastigar sua modesta refeição em silêncio e apenas podiam-se ouvir os sorvos apressados e os ruídos aflitos de seus dentes rasgando as crostas de pão. Ao terminar, levantaram-se e, após despedirem-se do mestre, dirigiram-se ao quarto de dormir, caminhando austeros e ruflando os panos grossos de suas longas vestes.
- Boa noite - disse Auden, cobrindo-se com o ralo cobertor e tombando seu delgado corpo para a parede.
- Boa noite - disse Tauden, socando seu travesseiro e estendendo-se feito estátua sobre o duro colchão.
- Boa noite - disse Mauden, soprando a vela e fazendo ranger a cama com o seu peso.
- Boa noite, irmãos - disse Faulen que, surpreendido com a escuridão, por um momento quase se esqueceu da direção da parede, mas acabou encontrando-a e virou-lhe as costas como era de seu costume.
No dia seguinte, um dos discípulos havia amanhecido morto por asfixia. O mestre, perguntando então por Faulen, ao notar sua ausência à mesa para a primeira refeição, recebeu em resposta um encolher de ombros dos demais:
- Não quis acordar - disse Mauden, servindo-se de manteiga.

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