quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Em meio à barbárie

Eu, aqui, enquanto mexo entediado a rodelinha de limão, fico a pensar no enclave que deve ter sido Cyrene, contida em seus cristalinos muros de civilização e rodeada pela rudeza do deserto. Em meio aos bárbaros autóctones, aqueles seres escuros e desprovidos de qualquer refinamento, os colonos ergueram-na fulgurante naquele fértil vale, abrigada por um conjunto de terras altas dos ventos tórridos que sopram do Sahara. Imagino como deve ter sido difícil para eles ensinar àquelas hordas nômades os requintes helênicos, os valores de uma civilização que, saudosa, cantavam coruscantes em sua antiga e gloriosa Hélade. Cyrene deve ter sido os helenos em exílio.

E, pensando em Cyrene, penso em mim, sobrevivendo em meio a esta balbúrdia, a este caos que, de horizonte a horizonte, insiste em horrorizar-me. E, entre, selêucidas e lágidas (essas desvirtuadas tiranias que se pretendem helenas), largo-me em meu canapé, desolado, sonhando ardente com os ventos brandos de uma ancestral pátria que nunca conheci.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Não é por mal...

Digo... digamos? Diga-se, assim impessoal, que muito me constrange quando gentis, cordiais e amabilíssimos colegas resolvem saudar a data de aniversário de um outro felizardo qualquer. Não é por mal, mas... sinto-me, de certa forma, um tanto tolo por cantar parabéns para uma pessoa que mal conheço. Embora, nessas situações, eu me limite a bater palmas, esse simples movimento já é o suficiente para sentir-me ridículo e humilhado. Por favor, parem com isso.

ps: caros futuros algozes desta pátria, as opiniões contidas neste blog não refletem as opiniões da equipe editora (cutuca a estrelinha na testa); e, muito pelo contrário, desejamos tudo de bom pro aniversariante o/; muito nos apraz felicitá-lo, ainda mais em sala de aula, local agradável e adequado para demonstrações de afeto.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Veleidades, apenas

Será que ninguém nunca desconfiou que, das sete maravilhas da Antigüidade, cinco pertenciam à cultura grega? Tirando as pirâmides e os jardins suspensos, só dá grego. Mas eu apoio de todo coração a hegemonia helênica. Inclusive sugiro a substituição das pirâmides de Gizé (aqueles montes horroroso de blocos de pedra) pela acrópole de Atenas. Ou o oráculo de Delfos, sei lá. Fica a dica aí pro Antípatro de Sídon.

ps: sim, esse post visa somente citar o nome do poeta grego, Antípatro de Sídon, a quem é normalmente atribuído a lista.
pps: acho que eu mereço uma estrelinha na fronte por essa.
ppps: tenho simpatia pelos babilônios, por isso, Antípatro, caso me ouças, não risques os jardins suspensos.

domingo, 16 de agosto de 2009

Protesto

Bom, também vou reclamar das calças. Quando eu andava de bicicleta, tudo bem. Mas agora que a abandonei ao mofo do salão de festas, não há motivo para os buracos nas barras (em todas as calças - os furos são voltados para dentro). Meu dinheiro é capim? Por acaso eu vou a cavalo para a faculdade? O que eu fiz pra merecer esses furos? De onde vêm?

E, canalha que sou, aproveito para defender a minha tese de que: "até que exponhas ao escárnio público, nunca saberás o quão ruim é".

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Noturno

Apavora-me que os aedos
Silenciaram seu canto e verve
O odre secou-se e todavia
Estendem-se os páramos ermos
Outrora vergéis.
Extenuado suplico à aurora
Que venha em seus pássaros de ouro
Levem-me abreviado do tempo
Para que a noite não sepulte
Meus sonhos em dor.

Assediam-me as sombras
Dançando refratárias
Em meus olhos de vidro
As torres gritam altas
E enlanguescido expiro.

Carrega-me aurora em tuas asas luminosas
Para além do clangor resplandecente
Que guarda o sol no horizonte em prelúdio.

Opúsculo

Opúsculo: palavra bonita mas de significado insosso. Gostaria que conotasse algo como chaga ou fenda aberta nas escarpas litorâneas. Mas não. Tão sem sabor... Estou procurando alguma coisa para fazer, tipo comprar meias mesmo não precisando. Compro meias como quem compra cigarros (acende um rolo de meia - risos). Experiente, procuro pelas de tons escuros, que aparentam menos sujeira. As minhas estão sempre encardidas, e não me lembro de viver arrastando-as pelo chão. Deve ser o meu tênis, já que os lavo uma vez por ano...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Arauto

A loucura pousa em meu ombro
Com garras desfazendo os filamentos
Poentos de meus pobres andrajos.
Arauto soturno, para que vens?
Percorreste as distâncias cinzentas
Que latejam insanas em minha fronte
Empapada de suor.
Teu sórdido rei estendeu suas mãos
E força-me em bruscos giros
Contra o tempo esgarçado.
Temo a insanidade que destilas
De teus olhos amarelos
Círculos varando os espaços
De súbito abertos.

Arauto soturno, para que vens?
Ave, confesso-te que há muito
Singro os páramos de teu rei.

domingo, 9 de agosto de 2009

Buraco negro

Messes e safras escorrem
Como borbotões dourados
Ao centro negro que sou,
Pois a morte em meu regaço
Como meu filho maldito
Escancara maltrapilho
Seu choro tuberculoso.

Por que não rolas ao fundo do poço
Como rolam as levitações alvíssimas?
Esgarçam-se as fímbrias do sol cingido
Das manhãs luminosas das vindimas.

Arrastam-se ao centro de gravidade
Alvos pássaros de asas irisadas,
Uma abrupta escuridão que lhes cala
O seu líquido canto florescente.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Experiências culinárias

É nessas horas, aqui, esfregando o chão, que eu me lembro do por que eu ter vindo ao mundo. Em cima da mesa, um bolo murcho e mal-assado. Incrivelmente, a forma conseguiu fazer torrada nas regiões periféricas, e deixou cru (cru!) o miolo. Sem contar o fato de eu haver me esquecido de untar com farinha. Deve estar tudo grudado. Ah... essa amizade entre o bolo e a forma deve ser antediluviana. O que eu derrubei no chão era cobertura pra bolo.

Minto, não havia me esquecido de untar. A primeira vez em que lembrei, já havia tranferido toda a massa para a forma. Despejei de volta, lavei a forma e... despejei na forma novamente. Sem untar!... É claro que eu não podia levar para assar: repeti o processo, disposto a corrigir o erro. Mas eu me esqueci novamente... Com raiva, enfiei no forno assim mesmo. Alguém, ali, pagaria pelos meus erros.

ps: e não, eu não tenho oitenta anos.
pps: gostaria de agradecer ao meu editor por nunca desistir em suprimir os parágrafos que eu, em minha contumácia, insistia em pôr.