Agora, eu vou dizer... Se há uma coisa que me irrita (e olha que eu não sou de me irritar!!!) é a fascinação dos autores de nosso século (e do século anterior também, ora) pelas notas de rodapé. Eu compreendo muito bem a sua utilidade; eu mesmo as uso com muito gosto, não tenho problemas quanto a isso, não sou hipócrita. Mas quando esses santos resolvem que as notas de rodapé são muito legais para serem utilizadas só de vez em quando... Daí eu quebro a taça, os pratos, derrubo a estante! Daí eu fecho o piano na mão das crianças-que-têm-fome! Queimo mesmo! Porque... Quem gosta quando o bendito põe metade do livro nessas desconcertantes notas, fazendo da sua concentração uma febre intermitente de leitura, quando muito bem aquelas nada concisas palavras poderiam ser inseridas no texto sem maiores problemas? E, por mais estranho que isso seja, constata-se que, quanto mais renome tem o autor, quanto maior é o seu conhecimento, precisão terminológica, finura de estilo, maiores são as notas de rodapé. E é por isso que eu nem me irrito tanto, afinal, o meu respeito e admiração se fazem de bigornas sobre a minha insana fúria de um ocioso estudante. Entretanto, há entidades pelas quais não alimento respeito ou admiração, nas quais posso deixar escorrer o meu ódio livremente, sem preocupar-me em estar apontando o canhão de blasfêmias contra alguém que não as mereça em virtude de seu talento.
Acontece, então, que algumas editoras simplesmente resolveram, a despeito de eu jamais haver manifestado a minha opinião, seja através de plebiscitos, seja através de manifestações pela paz social (ao gosto da OIT), que as notas de rodapé são um estorvo inútil quando localizadas no rodapé da página, e que os leitores, esses parvos ciclopes devoradores de suntuosos e profanos banquetes regados a muito vinho e brutalidade, simplesmente não se importam com elas. Quer dizer, para que sua existência se eles não as lêem de qualquer modo? Cabeças-de-vento, paradigmas da gelatina branca, lambedores de carimbo, os leitores só querem mesmo que a leitura flua o mais rápido possível sem a incômoda preocupação de estar deixando algo para trás. "Ora, tive uma brilhante idéia! - disse o editor com a camisa lambuzada de molho enquanto meneava entre o dedão e o mindinho uma coxa de frango. Por que não pôr as notas de roda pé, esses textos tão desnecessários aos nobres desígnios de nossos leitores, NO FINAL DO LIVRO, ONDE SUA VONTADE EM APURAR MELHOR AS IDÉIAS SEJA CONSTANTEMENTE ENFRAQUECIDA PELO DISPÊNDIO DE ENERGIA EM VASCULHÁ-LAS AO LONGO DE PÁGINAS?".
Se já era um incômodo ter que interromper o fluxo do texto para consultar a nota de rodapé, que estava ali mesmo, no final da página, bastando deslizar um tanto os olhos, imagine o tormento que é procurá-las lá no final do livro ou de um capítulo, nas remotas e inóspitas regiões guarnecidas por cães infernais e aves de rapina, circundadas por altos muros cobertos de urzes e outros espinheiros, onde o cantil de seu cérebro acabará esgotando-se antes de chegar ao seu objetivo, fazendo com que pereça na metade do percurso? Quer dizer, o autor transfere metade de suas idéias para as notas de roda pé, e a editora faz o quê? Põe-nas inacessíveis. Esconde. O que outrora eram vergéis acessíveis com um leve empurrão de seus portões, algumas editoras conseguiram transformar em verdadeiras terras ocultas, sobre as quais cantam-se lendas e recitam-se mitos. Deve ser vergonhoso fazer da nota de rodapé uma nota de rodapé, eu não sei... Enfim, é revoltante quando alguém toma as rédeas da situação sem você pedir, e ainda gruda um selo na sua testa com a degenerada intenção de facilitar a sua vida hipossuficiente. Eu disse: hipossuficiente.
PS: A Organização Internacional do Trabalho - OIT - tem como um de seus objetivos fundamentais a conquista da paz social.
Se já era um incômodo ter que interromper o fluxo do texto para consultar a nota de rodapé, que estava ali mesmo, no final da página, bastando deslizar um tanto os olhos, imagine o tormento que é procurá-las lá no final do livro ou de um capítulo, nas remotas e inóspitas regiões guarnecidas por cães infernais e aves de rapina, circundadas por altos muros cobertos de urzes e outros espinheiros, onde o cantil de seu cérebro acabará esgotando-se antes de chegar ao seu objetivo, fazendo com que pereça na metade do percurso? Quer dizer, o autor transfere metade de suas idéias para as notas de roda pé, e a editora faz o quê? Põe-nas inacessíveis. Esconde. O que outrora eram vergéis acessíveis com um leve empurrão de seus portões, algumas editoras conseguiram transformar em verdadeiras terras ocultas, sobre as quais cantam-se lendas e recitam-se mitos. Deve ser vergonhoso fazer da nota de rodapé uma nota de rodapé, eu não sei... Enfim, é revoltante quando alguém toma as rédeas da situação sem você pedir, e ainda gruda um selo na sua testa com a degenerada intenção de facilitar a sua vida hipossuficiente. Eu disse: hipossuficiente.
PS: A Organização Internacional do Trabalho - OIT - tem como um de seus objetivos fundamentais a conquista da paz social.
2 comentários:
BOA, MURILÃO! NÃO TE MICHA!
eu pensei em um tom de voz ótimo, principalmente na parte de fechar o piano nas mãos das criancinhas que tem fome...
compartilho do desgosto pelas notas de rodapé. fiquei imaginando qual deles você estaria lendo.
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