sábado, 24 de setembro de 2011

Calma, é só exasperação

As luvas que eu tenho são de lã sintética, de fios grossos, bem vagabundas. Comprei no Brasil, claro, sem saber que eu poderia ter arranjado luvas bem mais bonitas e que não dão a impressão de que minhas mãos estão inchadas. É difícil manejar qualquer objeto com elas: escorregam entre os dedos, perde-se a sensibilidade e a precisão dos movimentos. E foi assim que, revolvendo minha bolsa a procura de minha carteira para pagar pelos dois alfajores, acabei por assomar aos olhos do vendedor duas embalagens de chocolate que eu havia mantido ali e esquecido de jogá-las no lixo.

Agora eu sou o maníaco dos chocolates. Sim, eu confesso. Tenho compulsão por chocolates, chego a andar quadras e mais quadras em sua busca, e passarei os dias sem eles senão com muita angústia e sofrimento. Acabou. Descobriram tudo e não adianta negar. Toda uma vida de aparências ruiu-se ante a comunidade inteira, e meus vícios, um a um, deslizaram da escuridão de minha bolsa para desfilar ridículos e tristes no balcão de uma loja de doces.

Deixei a nota de cinco pesos amassada e suja em suas mãos, e saí correndo em direção à rua, pálido e convulso, caminhando rapidamente em direção à minha casa, sem reparar nos caminhos tortuosos e confusos que tomava. Nesse ínterim, uma multidão de idéias soltas e sombrias atormentavam-me a mente, e teria lançado minha bolsa no primeiro contêiner de lixo se houvesse tido tempo para raciocinar. Desejava chegar o quanto antes sem, contudo, forçar o passo mais do que seria aceitável.

Tirei o molho de chaves do bolso e enfiei a maior e mais dentada na fechadura, girando-a bruscamente e com rara precisão. Bati a porta atrás de mim, detendo-me de costas ao exterior. Estava petrificado e com as roupas empapadas de suor. "Ao amanhã" - eu pensei - "não reservo nada senão o crime: a prostituição de minha vida. Debaixo do viaduto mandá-la-ei em cosméticos caros vagar pela noite em busca de quem a queira tomar em seus braços pestilentos. E, com o dinheiro de sua corrupção, comprarei os olhos daquele vendedor".

No entanto, tive pena de minha vida, e não pude entregá-la ao mundo para que pagasse por meu processo de inocência. Então, abracei-a, coloquei-a dentro de minha bolsa como um pokémon e saí deslizando sobre patins pela ciclovia alta, cambaleando como um principiante. E os carros, logo abaixo de nós, passavam ligeiros sobre um asfalto feito de crimes, todos eles pendentes em processos enormes e carcomidos por insetos, amontoados em um cômodo escuro e sufocante de uma delegacia.

3 comentários:

João Paulo Rabelo disse...

Que texto surrealista! Hahaha Gostei.

wanessa g. disse...

Gostei, excelente descrição.

Murilo Munoz disse...

Desculpem não poder responder com a simpatia que merecem, mas obrigado.