Enquanto caminhava pela Avenida San Martín, ocorreu-me lembrar que, uma vez, haviam me dito que os rapazes da minha antiga turma da faculdade tinham baixa estatura. E, eu mesmo, caminhando assim entre a gente e esses edifícios de portas colossais, dou-me conta que eu não era uma exceção. Mas eu acho é ótimo. Assim poderíamos juntar-nos e organizar uma compra coletiva em uma clínica e conseguir um desconto para que nos serrem os ossos das pernas. Eu, já estendido sobre o leito do hospital, empurraria toda a modéstia de minha escrivaninha para a lata de lixo e ordenaria de uma vez que me aumentassem trinta centímetros. "Mas, senhor..." - tentaria um doutor com uma prancheta nas mãos. "Não, por favor. Poupe-me de suas parolices médicas" - eu replicaria, levantando a mão e pondo eu mesmo o inalador.
E, assim, trinta centímetros mais alto, eu poderia desfilar novamente pela Avenida San Martín, dessa vez como um boneco de Olinda. E minhas pernas estendidas fincariam meus passos vacilantes, e eu oscilaria meu corpo de encontro às paredes e às pessoas que, caminhando ligeiras, tentariam ultrapassar-me o mais rápido possível.
Não, por favor, não estiquem apenas minhas pernas. Serrem-me os ossos dos braços, estendam-nos também trinta, quarenta, cinqüenta centímetros. E dêem-me um chapéu para que eu possa tirá-lo e cumprimentar uma empregada assustada que varria o chão da sacada. E meu braço, no gesto de cortesia, mover-se-ia ameaçador como um pêndulo gigante em direção aos transeuntes.
Porque essas calçadas, essas ruas, essa gente são herança que me reservam as cidades, e eu, boneco de Olinda, sou seu conde que vacila em pernas gigantes, arrastando minhas mãos por seus muros e arrebentando varais com roupas estendidas.
7 comentários:
¡Ay, qué dolor!
como assim?
Gostei muito desse jeito de escrever tendendo para o realismo fantástico. Imaginei bem essa última imagem.
Que realismo fantástico o quê! Já serrei as minhas pernas e estou digitando isso da cama de um hospital.
Mas, a propósito, muto obrigado [tira o chapéu e a cabeça sai junto]. Ai, não! Me serraram no lugar errado!
Murilo, te imaginei de pernas e braços longos e me pareceu muito elegante. Longilíneos nunca saem de moda.
ps: obrigado pelos versos do Maiakovski, achei bem emocionantes!
esse texto me angustia profundamente, apesar da elegância.
ah, sim. eu estava lembrando do que você uma vez tinha comentado, então eu achei engraçado e TERRÍVEL que nós nos organizássemos para fazermos essa cirurgia. seria como uma negação da vida, uma praticidade que assusta. é como se eu quisesse resolver, por exemplo, aumentar minha capacidade de memória visual e fosse num cirurgia que me retiraria parte do cérebro e susbtituísse por um mecanismo mais eficiente, e daí eu teria escolhido determinado procedimento porque junto eu concorro a uma viagem com hospedagem paga de cinco dias a Moscou.
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