sexta-feira, 23 de março de 2012

Sobre as boas maneiras

Não falarei das boas maneiras, porque às vezes tudo o que a gente pode é permitir que as pessoas continuem fazendo o que elas estão fazendo, seja lá o que estejam fazendo. Eu nem sei mais se seria desejável que as pessoas começassem a seguir as regras que me norteiam, ou melhor, um código de regras que eu muito provavelmente desenvolvi ou recriei desde fontes não muito claras. Hoje, sou muito mais tolerante e flexível do que era (com os outros, comigo sigo como sempre, pois jamais cederei). Mas nem sempre consigo ocultar meu desprezo. Dou-me conta disso quando, caminhando, vejo alguém cuspindo para o lado, sem a menor deixa de que aquilo poderia parecer repulsivo aos outros. Minha reação está além de mim: fecho a cara e imobilizo meu pescoço, olhando fixo para frente, sem a menor misericórdia para com a pessoa que, percebendo minha desaprovação, passa por mim de cabeça baixa. Mas já fiz pior. Há alguns anos atrás, quando voltando da faculdade, o colega que me acompanhava interrompeu minha já sôfrega tentativa de manter um diálogo arranhando asquerosamente a garganta e cuspindo no chão. Parei de falar e fiquei esperando que se desculpasse, coisa que, para minha consternação, não aconteceu. (A faculdade me ensinou muitas coisas, e uma delas é que os estudantes parecem sofrer uma regressão de maneiras quando longe de suas casas paternas).

E como se eu já não houvesse visto de tudo, sou pego de surpresa por meu professor. Não sei em que parte eu estava, mas acho que era uma daquelas coisas que as pessoas não se importam de ouvir e estão muito mais interessadas em encontrar uma oportunidade para enfiar uma ideia que latejava em suas cabeças. Eu estava em sua sala, discutindo sobre o projeto de monografia, e já era suficientemente triste reparar nas condições do escritório. Na verdade, ele já possuía um jeito exaltado, mas foi com uma entonação melhor com que ele se debruçou sobre a mesa, levantou os olhos e perguntou: "Você já pensou em fazer uma pesquisa de opinião a respeito?". Disse que não, mas já adivinhando e fazendo um muxoxo em pensamento. "E você não acha que seria interessante para o seu trabalho? Porque é uma coisa muito simples. Sabe o que você faz? Você vai lá naquele terminal de ônibus no horário de pico, quando aquilo está cheio de gente, e vai de pessoa em pessoa, ver o que eles acham. Só chegar e perguntar se concordam ou não. O que você acha?". Respondo que não sei. "Porque na verdade, na questão do seu trabalho, você poderia incrementar..." "Acho que a opinião deles não é muito importante", eu respondo, em um arrombo de sinceridade. Não foi minha intenção cortá-lo assim abruptamente, mas é que a ideia de ir no terminal de ônibus em horário de pico, segurando uma pranchetinha e indo de pessoa em pessoa perguntando àquelas caras cansadas feito um pateta me passou feito um lenço umedecido com álcool. Talvez ele também tenha se dado conta da insensatez, e voltou a se acomodar na poltrona.

Por quê? Porque há regras, muitas regras que, embora eu não me encontre disposto para impô-las, não quero desobedecê-las sem antes estar convencido de coração que não merecem ser seguidas. Eu particularmente   não acho que seja adequado infiltrar-se em um ambiente tão hostil e tão apolítico como um terminal de ônibus, em meio à multidão e ao forte calor, para interromper mentes já extasiadas do trabalho com perguntas bobas de sim/não. É isso ser cruel? Sinceramente, já longe de minha postura inicial, eu tenho quase certeza de que eu estou certo, de que o bom-senso, ao menos dessa vez, estava comigo, e que ele só não viu isso porque estava muito abitolado com falsos moralismos e demagogias; preocupado demais em atender às classes negligenciadas e totalmente esquecido da velha etiqueta, como não rir alto ou falar enquanto mastiga. Onde foi que ele desaprendeu regras simples de convivência? Ou talvez nunca realmente parou para pensar. Mas não é muito difícil. Imaginar-se no lugar do outro, por exemplo. E aqui, para finalizar, faço uma confissão. Não foi somente pensando no bem daqueles trabalhadores na rodoviária que rejeitei com tanta firmeza a proposta do professor. Não me dou muito bem em servir cafezinho, e se me obrigarem a fazê-lo, eu verto a cafeteira nas suas visitas. Não que eu não ache realmente importante a opinião das pessoas do dia-a-dia, mas eu jamais me submeteria à condição humilhante de sair por aí consultando-as sem sequer estar investido da impessoalidade de uma autoridade pública. Antes me tranco no gabinete e fico a arrumar cartas. Se eu quiser uma opinião, telefono para as pessoas de costume, coisa que sempre me bastou.

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