Muitas vezes a conveniência faz com que conceitos fundam-se um aos outros, como se não fossem mais do que digressões de um mesmo ser, e como se cada fragmento do vitral pudesse ser tomado como a origem primeira e o destino último dos demais. E assim torna-se possível a criação de um monopólio de um conceito sobre todos os outros, forçando-os a comprimirem-se em uma mesma moeda, na qual não é mais possível manter intactos os antigos limites que os circunscreviam. Então a posição do observador passa a ser não apenas o início de toda especulação, mas o denominador comum, que não somente paira sobre os conceitos como uma sombra, mas envolve-os e imiscui-se em suas essências, confundindo-os em um mesmo plano artificialmente ampliado. É o que muitas vezes acontece quando algumas pessoas resolvem enxergar as coisas pelo "prisma social", pretendendo interpor entre o sujeito e o objeto uma teoria científica e, ao mesmo tempo, "desmascarar" a realidade, sem que isso implique em qualquer contra-senso em seu discurso, como se as máscaras caíssem automaticamente sob a luz dessa teoria, que já não é mais mero discurso hipotético, mas verdade revelada. Porém, enxergar as coisas por outro prisma é algo curioso para mim, pois eu mesmo penso os prismas como a metáfora perfeita para os seres imutáveis, sólidos e exatos, e não como transparências diante das quais tudo parece relativizar-se em miríades de posições. Da mesma forma, não consigo entender como e quando foi que a universidade passou a ser entendida como instituição social, nem entendo em que sentido poderia realizar qualquer espécie de função junto à sociedade, como tão fastidiosamente tem-se comentado.
Quando ouço falar em universidade, o que me vem à mente - e não só à minha, mas imagino que à de muitos ainda – é aquele velho conceito de universidade, construído pelos séculos e levada até os nossos dias pela tradição, que nos fala de um lugar voltado para o ensino e pesquisa científicos, preocupado na formação profissional de técnicos e na transmissão da cultura. Mas parece que os fins que persegue já não são suficientes para justificar a sua existência, e agora urge que adote uma postura mais ativa no meio social, desenvolvendo programas que beneficiem diretamente a sociedade como um todo, e não agindo como se fosse uma nave alienígena, voltada para si e alheia às mazelas de nosso sistema. Afinal, ela recebe recursos públicos provindos da contribuição de todos, de modo que a universidade não é mais do que uma servidora, cuja principal preocupação deveria estar centrada nas necessidades de seu meio, e não em perseguição a fins esdrúxulos e fúteis, sem utilidade imediata que possa ser aproveitada por toda a população. Não pode ser mais vista, portanto, como uma mera instituição de ensino e pesquisa, mas um agente social, calcado nos valores da justiça e da igualdade, como mesmo convém a uma verdadeira democracia. E então ela segura na barra da saia e faz uma leve flexão com os joelhos, pois não é justo que tão-somente uma pequena parcela da população se beneficie de todo o seu aparato, pois aquilo que todos ajudaram, de uma forma ou de outra, a construir, deverá ser por todos acessível, e aqueles que, devido a condições sócio-econômicas desfavoráveis, mantiveram-se afastados de sua instituição deverão ser incluídos, numa entediante tentativa de aliviar em seus quadros as desigualdades econômicas, raciais, étnicas, etc.
Ocorre, entretanto, que a universidade nada tem a ver com tais condições sócio-econômicas, e pouco lhe importa que camadas inteiras da população sejam sistematicamente eliminadas de suas carteiras e laboratórios. Os valores que constituem a sua natureza institucional não são o da justiça e da igualdade, pois o espaço em que se desenvolvem as pesquisas e o ensino não é um espaço social, muito menos um espaço político, pois a maneira como promove suas ações não se dá baseada em necessidades econômicas ou em interesses comuns que atinjam a todos, nem mesmo pretende ser um espaço de decisão ou determinado por regras comportamentais. Os valores que regem o ambiente universitário são o do mérito pelo conhecimento e o da iniciativa científica, de modo que constitui-se não em uma estrutura eminentemente democrática, mas em uma hierarquia entre aqueles que sabem e aqueles que querem saber. O que promove suas relações é o conhecimento, e só em torno deste é que se promove o debate, não no sentido em que se dá em um ambiente político, pois não almeja nenhuma tomada de decisão, mas apenas no sentido da promoção da ciência, no aprimoramento da técnica e do conhecimento. É por isso que um professor não pode esperar aprender muito com seus alunos, a não ser que se esteja diante de um claro déficit de formação acadêmica, pois não são iguais que se encontram no ambiente universitário, mas indivíduos hierarquizados pelo conhecimento. É claro que semelhante hierarquia não é a mesma que se dá em um espaço social, pois é muito mais volátil e relativa, e os pólos entre aquele que sabe e aquele que quer saber podem facilmente inverter-se conforme a situação.
O que se quer dizer é que a universidade não pode vincular-se à subsistência da sociedade, pois visa à produção de conhecimentos de forma livre, e semelhante intromissão só tem a atrapalhar toda a iniciativa científica. Do mesmo modo, a formação profissional e a promoção cultural que desenvolve não pode transformar-se em mero serviço público, pois não se trata de extensão de um departamento da administração. É importantíssimo que mantenha autonomia face à política e à sociedade, pois os fins que estas perseguem são absolutamente impróprios na consecução de um de seus principais objetivos: a busca pela verdade. Quando se atrela as iniciativas científicas da universidade às necessidades sociais ou aos interesses políticos, a pesquisa está fadada ao condicionamento, e a produção do conhecimento perderá o seu tão essencial caráter objetivo e neutro. Os interesses, sejam sociais ou políticos, amoldam a produção dos fatos, vinculam os objetivos e tecem verdades falsas e parciais, que nada têm de científico, mas, ao contrário, constroem ideologias, contra as quais não parece haver verificabilidade ou provas em contrário que possam desmenti-las ou iluminá-las. Mesmo as promoções culturais, que talvez sejam as atividades que mais se aproximem a um conteúdo político ou social, não podem sobreviver durante muito tempo como ação autônoma e espontânea quando começam a perseguir algum tipo de finalidade que não a própria produção cultural. Pois se a universidade em vários momentos pretende a transmissão e cultivo de idéias, tradições, filosofias, o faz no sentido de manter o conhecimento vivo e livre, e sua liberdade cessa exatamente quando passa a perseguir fins alheios à sua natureza institucional.
Do mesmo modo, transportar artificialmente valores de justiça e igualdade para um lugar que é tradicionalmente formatado pela hierarquia do conhecimento não é fazer mais do que a anfitriã que encobre os móveis de sua casa com lençóis floridos. A universidade não é lugar para justiça ou igualdade social, pois tal deve ser feito muito antes, em sua verdadeira origem. Tentar mascarar problemas sérios de ensino sob a égide de um pretenso valor social que deve buscar a universidade, assemelha-se mais à ação caritativa do que a um ato de justiça, e nada mais inútil do que a caridade. Esta se parece com uma espécie de um mal necessário, como uma ultima ratio, quando nada mais é possível de ser feito e quando tudo parece já não adiantar. Então temos a caridade, que apenas consegue sustentar, manter em movimento as pás de um moinho, mas nunca construir um outro moinho. Assemelha-se mais ao trabalho solitário e recôndito do burrinho, que faz girar as engrenagens enquanto se move em círculos lentos, como se o seu próprio trabalho não fosse senão um mudo sofrimento. Caridade morre em si mesma. Quando a ação caritativa cessa, nada além dela sobrevive. Pois é um ciclo, não uma reta projetada para o futuro, como é a acumulação do conhecimento e a ação política.
E eu digo isso (e aqui me dispo de qualquer conteúdo para atingir o neutralmente polido, o discurso de plumas e pó-de-arroz, pois mesmo não acho que semelhantes idéias sejam fáceis de virem desacompanhadas de ódio e preconceitos) tomando meu chá de erva-cidreira, e não dando surras com pão-bengala em suas costas.
Quando ouço falar em universidade, o que me vem à mente - e não só à minha, mas imagino que à de muitos ainda – é aquele velho conceito de universidade, construído pelos séculos e levada até os nossos dias pela tradição, que nos fala de um lugar voltado para o ensino e pesquisa científicos, preocupado na formação profissional de técnicos e na transmissão da cultura. Mas parece que os fins que persegue já não são suficientes para justificar a sua existência, e agora urge que adote uma postura mais ativa no meio social, desenvolvendo programas que beneficiem diretamente a sociedade como um todo, e não agindo como se fosse uma nave alienígena, voltada para si e alheia às mazelas de nosso sistema. Afinal, ela recebe recursos públicos provindos da contribuição de todos, de modo que a universidade não é mais do que uma servidora, cuja principal preocupação deveria estar centrada nas necessidades de seu meio, e não em perseguição a fins esdrúxulos e fúteis, sem utilidade imediata que possa ser aproveitada por toda a população. Não pode ser mais vista, portanto, como uma mera instituição de ensino e pesquisa, mas um agente social, calcado nos valores da justiça e da igualdade, como mesmo convém a uma verdadeira democracia. E então ela segura na barra da saia e faz uma leve flexão com os joelhos, pois não é justo que tão-somente uma pequena parcela da população se beneficie de todo o seu aparato, pois aquilo que todos ajudaram, de uma forma ou de outra, a construir, deverá ser por todos acessível, e aqueles que, devido a condições sócio-econômicas desfavoráveis, mantiveram-se afastados de sua instituição deverão ser incluídos, numa entediante tentativa de aliviar em seus quadros as desigualdades econômicas, raciais, étnicas, etc.
Ocorre, entretanto, que a universidade nada tem a ver com tais condições sócio-econômicas, e pouco lhe importa que camadas inteiras da população sejam sistematicamente eliminadas de suas carteiras e laboratórios. Os valores que constituem a sua natureza institucional não são o da justiça e da igualdade, pois o espaço em que se desenvolvem as pesquisas e o ensino não é um espaço social, muito menos um espaço político, pois a maneira como promove suas ações não se dá baseada em necessidades econômicas ou em interesses comuns que atinjam a todos, nem mesmo pretende ser um espaço de decisão ou determinado por regras comportamentais. Os valores que regem o ambiente universitário são o do mérito pelo conhecimento e o da iniciativa científica, de modo que constitui-se não em uma estrutura eminentemente democrática, mas em uma hierarquia entre aqueles que sabem e aqueles que querem saber. O que promove suas relações é o conhecimento, e só em torno deste é que se promove o debate, não no sentido em que se dá em um ambiente político, pois não almeja nenhuma tomada de decisão, mas apenas no sentido da promoção da ciência, no aprimoramento da técnica e do conhecimento. É por isso que um professor não pode esperar aprender muito com seus alunos, a não ser que se esteja diante de um claro déficit de formação acadêmica, pois não são iguais que se encontram no ambiente universitário, mas indivíduos hierarquizados pelo conhecimento. É claro que semelhante hierarquia não é a mesma que se dá em um espaço social, pois é muito mais volátil e relativa, e os pólos entre aquele que sabe e aquele que quer saber podem facilmente inverter-se conforme a situação.
O que se quer dizer é que a universidade não pode vincular-se à subsistência da sociedade, pois visa à produção de conhecimentos de forma livre, e semelhante intromissão só tem a atrapalhar toda a iniciativa científica. Do mesmo modo, a formação profissional e a promoção cultural que desenvolve não pode transformar-se em mero serviço público, pois não se trata de extensão de um departamento da administração. É importantíssimo que mantenha autonomia face à política e à sociedade, pois os fins que estas perseguem são absolutamente impróprios na consecução de um de seus principais objetivos: a busca pela verdade. Quando se atrela as iniciativas científicas da universidade às necessidades sociais ou aos interesses políticos, a pesquisa está fadada ao condicionamento, e a produção do conhecimento perderá o seu tão essencial caráter objetivo e neutro. Os interesses, sejam sociais ou políticos, amoldam a produção dos fatos, vinculam os objetivos e tecem verdades falsas e parciais, que nada têm de científico, mas, ao contrário, constroem ideologias, contra as quais não parece haver verificabilidade ou provas em contrário que possam desmenti-las ou iluminá-las. Mesmo as promoções culturais, que talvez sejam as atividades que mais se aproximem a um conteúdo político ou social, não podem sobreviver durante muito tempo como ação autônoma e espontânea quando começam a perseguir algum tipo de finalidade que não a própria produção cultural. Pois se a universidade em vários momentos pretende a transmissão e cultivo de idéias, tradições, filosofias, o faz no sentido de manter o conhecimento vivo e livre, e sua liberdade cessa exatamente quando passa a perseguir fins alheios à sua natureza institucional.
Do mesmo modo, transportar artificialmente valores de justiça e igualdade para um lugar que é tradicionalmente formatado pela hierarquia do conhecimento não é fazer mais do que a anfitriã que encobre os móveis de sua casa com lençóis floridos. A universidade não é lugar para justiça ou igualdade social, pois tal deve ser feito muito antes, em sua verdadeira origem. Tentar mascarar problemas sérios de ensino sob a égide de um pretenso valor social que deve buscar a universidade, assemelha-se mais à ação caritativa do que a um ato de justiça, e nada mais inútil do que a caridade. Esta se parece com uma espécie de um mal necessário, como uma ultima ratio, quando nada mais é possível de ser feito e quando tudo parece já não adiantar. Então temos a caridade, que apenas consegue sustentar, manter em movimento as pás de um moinho, mas nunca construir um outro moinho. Assemelha-se mais ao trabalho solitário e recôndito do burrinho, que faz girar as engrenagens enquanto se move em círculos lentos, como se o seu próprio trabalho não fosse senão um mudo sofrimento. Caridade morre em si mesma. Quando a ação caritativa cessa, nada além dela sobrevive. Pois é um ciclo, não uma reta projetada para o futuro, como é a acumulação do conhecimento e a ação política.
E eu digo isso (e aqui me dispo de qualquer conteúdo para atingir o neutralmente polido, o discurso de plumas e pó-de-arroz, pois mesmo não acho que semelhantes idéias sejam fáceis de virem desacompanhadas de ódio e preconceitos) tomando meu chá de erva-cidreira, e não dando surras com pão-bengala em suas costas.
Um comentário:
Você devia escrever alguma coisa sobre a tal "função social" da propriedade prevista pela constituição.
Postar um comentário