Ao expor a minha dúvida quanto à possibilidade de haver a multiplicação de riquezas diante de um mundo natural que apenas se reproduz através de si mesmo, sem que isso signifique qualquer espécie de aumento quantitativo de matéria, fui acusado, e bem justamente, de portar uma concepção medieval da economia. Eu reconheço a minha ingenuidade, mas, embora eu não devesse, senti-me orgulhoso disso. É como se eu me visualizasse encostado em uma macieira, a escrever um tratado sobre a agricultura em latim, cunhando sentenças de tom moral, mas solidamente calcadas na antiga lógica aristotélica. E, volta e meia, eu volveria meu olhar para a vista do campo, dominado por um castelo erguido no sopé de uma pequena colina, onde os servos semeiam as valas abertas e empurram o arado pelo solo, um tanto duro, mas que logo vai cedendo ao instrumento puxado por dois bois de olhar brejeiro. E então, suspendendo a pena por esses longos momentos de contemplação, iria compondo lentamente sobre a verdadeira origem da riqueza de um país.
É que as idéias dos antigos parecem-me muito mais simpáticas e pacíficas, como se a sua manifesta ignorância, que só agora nos parece manifesta ignorância, não fosse senão a revelação de um mundo mais terno e calmo, de ritmo lento como as passadas de um boi. Tão diferente dos modernos moralistas, que parecem gritar em meus ouvidos, conclamando o céu e o inferno para que venham às suas fileiras e marchem em direção a um destino hipotético e pseudocientífico. Parecem ter perdido a capacidade de falar em um tom sereno e sério, como se o discurso não pudesse fazer efeito nos ouvintes senão através de expressões de violência e dados assustadores, como se o nosso sono não pudesse ser despertado senão através do medo e de mentiras, engenhosamente disfarçadas para servir a sua boa-causa. Porque a verdade, para eles, não passa de uma concepção parcial da realidade, amoldada por interesses de grupo ou classe, e a sua busca objetiva é uma ilusão, da qual estão cansados e agora tomam as ruas queimando pneus e fazendo chantagens.
Eles tocam o meu interfone e começam a falar uma série de coisas, que eu não entendo bem, pois há muito barulho de buzina no fundo. Eu até tento discernir algum sentido racional em seus discursos de palanque, mas só consigo escutar aqui e acolá "hipocrisia", "nova ordem", "pró-ação", "tira essa bunda do sofá". Eu vou, mas é para colher maçãs e para pôr essa bonita fotografia.
Eles tocam o meu interfone e começam a falar uma série de coisas, que eu não entendo bem, pois há muito barulho de buzina no fundo. Eu até tento discernir algum sentido racional em seus discursos de palanque, mas só consigo escutar aqui e acolá "hipocrisia", "nova ordem", "pró-ação", "tira essa bunda do sofá". Eu vou, mas é para colher maçãs e para pôr essa bonita fotografia.
2 comentários:
Veja bem, Murilo...a plebe só fala bobagens. Você não deveria se misturar ou dar ouvidos a eles, nem mesmo quando dizem coisas belas, com aquele comentário acerca de sua concepção de economia medieval.
Eu já me fiz o mesmo questionamento do primeiro período do seu texto.
Mas discordo dessa coisa dos antigos serem pacifistas e os modernos, "pseudocientíficos" çe lyga, piah 100nosao
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