segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Na mais alta torre gótica

Quando sua irmã irrompeu pela porta, segurando seu filho nos braços, pouca atenção ter-lhe-ia dado se não fosse pelo homem que lhe seguiria minutos após. Eu estava na casa de um amigo, jogando age of empires, e, bastante concentrado, voltei-lhe rapidamente os olhos em sinal de cumprimento, pois, afinal, era apenas uma moça normal com quem eu nada tinha que ver, e, além do mais, minhas fortificações pereciam ante o inimigo e medidas urgentes deviam ser adotadas. Contudo, ao abrir-se a porta pela segunda vez, eis que surge um homem gordo, vestido com desleixo e aparentando ser não mais do que um chapeiro.

Estarrecido subentendia que este era o pai de seu filho, o empresário, o detentor de afamada fortuna e de tantos imóveis na cidade. Pouco me importa se ele realmente gozava dessa situação. A questão era o evidente contraste entre a jovem moça, uma típica patricinha maringaense, e o homem feio, de traços escuros, passos morosos e pelo menos uma década mais velho. O que teria motivado uma união tão... grotesca? Só com muita ingenuidade seria o dinheiro, já que estavam encostados no apartamento do irmão, o que torna a coisa ainda mais vil. Amor? Ah, então... Pobre moça.

Pobre, pobre moça. Não sabe então que a sociedade, representada em mim, não a redimirá por mais puro que seja seu sentimento? Acaso se esqueceu dos seus deveres ao unir-se com tão decadente criatura, tendo a audácia de engendrar um filho de tão feio homem? E ele me vira seus pesados olhos, o chapeiro, e, desconhecendo seu lugar, exige de mim o cumprimento. E o tem, certamente, pois que não sou assim tão vilão. Mas pressinto a carne pútrida que guarda em seu peito, a moral preguiçosa e a inteligência voltada para o desfrute dos bens terrenos desde a sua torre gótica. Oh quasímodo, que a água da fonte suas mãos conspurcam! Com que sordidez não desfolha as flores de nossos jardins entre seus dedos suados! E em troca nada nos dá senão a cena de seu próprio deleite.

Sou ruim? Apenas exponho aquilo que todos os presentes na mesa pensaram. Pois todos nós sabemos que engendrais vossos filhos para nós, a sociedade, e não para a satisfação própria. Ou pensais que nós toleraremos que vos reproduzais à vontade, atracando-vos com o primeiro que vos passe um pouco de dinheiro diante de vossas faces indolentes, quando, na verdade, devíeis estar procurando nos homens aquilo que há de melhor e, assim, oferecendo-nos o melhor possível? A sociedade, minha cara, não a perdoará, pois do seu amor não depende. O amor que corresponde tão somente a vocês dois, aos olhos dos demais, no entanto, é apenas mais um sentimento banal. Não importa quão alto busquem seu refúgio, nós os enxergaremos tal qual nos afigura: a gárgula bestial e sua monja de pedra. Oh, sim!

E eu sou o vampiro que, subitamente iluminado por um relâmpago, desde o pórtico escuro apavora a donzela, fazendo-a fugir aos gritos pelas escadarias que conduziam ao castelo. Se acaso lhe persigo injustamente, peço desde já seu perdão, aquele mesmo perdão que a pouco lhe neguei. Mas era para o seu bem, para o nosso bem. Um bem que lhe cravo na branca carne de seu pescoço e de cujas veias extraio o sumo essencial de nossa temporária, porém não desprezível e nem de toda privada de sua origem, verdade.

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