sábado, 7 de janeiro de 2012

Miséria I

Querido diário,

Em meados de abril/maio - que sei eu -, havia sido convidado para um churrasco. Havia sido miseravelmente convidado para o churrasco, pois eu não gostava do anfitrião. Era seu aniversário. Um rapaz bobo, mais velho do que eu, imperdoavelmente infantil, insolente e dolorosamente vulgar. Era daqueles personagens com os quais nos deparamos de vez em quando e que sempre nos chocamos ao constatar sua capacidade em absorver todos os clichês e todo o vazio moral de um programa sensacionalista de televisão. Porém, não podendo recusar o convite, tendo em vista que era meu colega de estágio, decidi ir.

Às nove horas da noite, já vestido, descubro que ninguém mais do estágio iria, exceto eu. Sim, ele não era uma pessoa muito estimada, e, devo dizer, o que me moveu aceitar o convite não era o mero cumprimento de uma etiqueta, mas pena mesmo. Tanto melhor, eu pensei, afinal não gostava de nenhum deles: achava-os todos vis, mesquinhos, sem alma, denegridores da beleza e do significado que portavam. Peguei o carro (oh! era a primeira vez que eu tinha autorização para pegar o carro: era a glória), dei a partida e saí rumo à sua casa. (Aqui omitirei a parte em que me perdi durante uma hora na cidade, pois é sempre um misto de terror e delícia toda vez que isso acontece e nada tem a ver com esse triste relato).

Cheguei por volta da meia-noite. Meu Deus. Aquele era o churrasco mais deprimente em que eu havia estado. Se havia oito pessoas ali era muito. E dessas oito pessoas, um era o officeboy da procuradoria, e os outros, antigos colegas de uma companhia de marketing em que ele havia trabalhado. Destes, somente um, com muita bondade, podia ser chamado de seu real amigo. Suas relações eram, em suma, artificiais. Quem sou eu para julgar? Acontece que esse anfitrião vivia - tão cansativo - gabando-se, conversando, citando amigos. Não que eu não suspeitasse, mas não imaginava que fosse a esse ponto. Mas bem, até isso eu poderia relevar se não fosse...

A quantidade de carne e cerveja que nosso personagem havia comprado. Devia haver comida ali para umas quarenta pessoas. Ele não era somente um grande mentiroso; era um ingênuo, um deslumbrado. Uma confiança vazia, uma ilusão de dar pena, muita muita. Meu estômago retorceu-se. Minhas mãos, meus braços derrubaram-se moles ao longo do meu corpo. E as conversas! Oh, as conversas! Ora banais e entediantes, ora lascivas e torpes. Quando não me sinto bem num lugar, não gosto nem de participar em sua comida. Rejeitei todos os bocados de carne e a cerveja. Meu coração oprimia-se, algo em mim se desprendia roto. Os valores do alto céu despencavam sobre o charco da vida, e na imundície úmida debatiam-se como peixes que agonizam.

Prometi a mim mesmo que logo soasse a uma hora da madrugada eu vazaria dali. A todo instante consultava o relógio, ansioso, soturno, quase mudo. Despedi-me apenas do anfitrião e parti em meu carro. Estava deprimido não só por saber da existência de coisas assim, como de haver participado disso. Ainda posso sentir a crosta nojenta daquela atmosfera envolvendo-me: casca de inseto, artrópode, bicho pequeno, rastejante e vil. Sim, meus amigos, há todo um mundo lá fora que, longe de ser uma agonia, é um silêncio vazio. Sequer é possível chamar aquilo de silêncio de sepulcro, onde a morte vela um sentido profundo e intangível. É ausência. Não, é pior do que a ausência: são homens ocos, pois onde deveria haver homens, há apenas bonecos.

São títeres. Manipulados não por deuses ou por outros homens, mas por ninguém. O vento que ocasionalmente por eles passa move seus membros. A intempérie, o acaso, os elementos anônimos são os responsáveis por seus movimentos e sua aparente vida. Essa é a sua liberdade. Sequer são servos, pois até mesmo os servos possuem um sentido e uma vontade. Até mesmo os servos são mediações. Esses títeres têm o miolo de palha, um miolo morto que não serve a ninguém e a nada, cujo único sentido constitui-se em um acidente, e cuja única causa não é nada senão seu próprio vazio e absurdo.

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