terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A sentença

Certa vez, ao entrar na sala do procurador, fui convidado a conversar. Ele estava preocupado, se é possível assim dizer, com o fato de que, aparentemente, eu já não me encontrava com o mesmo ânimo, e, como indícios, citou uma série de erros formais que eu vinha cometendo. Respondi-lhe, então que: eu me encontrava no estágio há quatro meses, e não há um ano como ele havia pensado; meu ritmo de trabalho era exatamente o mesmo e, inclusive, eu agora trabalhava para dois procuradores; tal erro aconteceu há dois meses.

Pareceu-me, à época, uma indireta para que eu saísse do estágio, já que ele mesmo não o podia fazer. Porém, pensando agora, acho que os motivos eram outros, ainda mais quando, já no quinto mês, houve uma súbita e incompreensível explosão de cordialidade. A questão era: como manter-me subordinado? Impondo-se vociferante? Claro que não. Estando ele em uma posição superior e sendo, porém, meu trabalho independente de sua direção, deveria ele envolver-me em uma nebulosa em que eu jamais pudesse orientar-me, de modo que, escravo de suas pistas, fosse forçado a todo instante a farejar a seu redor em busca da verdade.

Mas o porvir é lindo. Em menos de uma semana, caiu, sem que eu já guardasse qualquer rancor, em minhas mãos uma petição sua em que ele havia errado o nome das partes, o número do processo e todo o resto. O officeboy, a quem cabia essas coisas, pediu-me o favor de levar a petição à sua sala para que avisasse do erro e corrigisse. Eu jamais teria sabido se não fosse por sua cara-de-pau. Acho que ele não precisou insistir muito. Carreguei a petição impassível, como se eu fosse o próprio sol que irremediavelmente todos os dias levanta-se e põe-se sob o horizonte, e, quando irrompi pela sala, era branca minha máscara e negros meus ombros. Um mero comensal... do destino.

Não desembainhei minha espada, nem meus lábios crisparam-se. Meus olhos eram duas esferas de vidro que apenas refletiam o que quer que a vida a eles fizesse chegar sua luz. Meu coração era uma bacia de prata onde vultos misteriosos lavavam-se deixando a água escorrer brilhante de seus longos dedos. E isso bastava. Saí sem olhar se em seu rosto delineava-se o embaraço. Seu anjo, porém, levantando-se severo detrás de sua cadeira, caminhou a duras pausas até que se posicionasse diante de sua mesa e, suspendendo a um bom ângulo seu braço direito, pousou sobre seu pescoço a espada cinzenta.

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