A casinha de cachorro-quente estava com suas janelinhas recém-abertas. Eram as sete horas da tarde e, na visão do meu ocioso estômago, era mais do que hora de jantar. Contudo, o rapaz disse-me que ainda não estavam prontos e por isso eu teria que esperar mais uns vinte minutinhos. Ele sequer se deu ao trabalho de acrescentar a fórmula mágica "mas se quiser pode esperar", e, apesar da entonação tenra e débil de sua voz, senti-me ofendido. "Ah, sim, está bem", eu disse. Permaneci ainda de pé, esperando que me convidasse e que me consolasse por haver chegado demasiado cedo. Ao fim, ante sua repreensível insensibilidade, resolvi sentar e aguardar. Em vão tentava resolver esse impasse, e fracassava terrivelmente, fosse de pé ou sentado.
E a chuva veio, fosse para aliviar minha desdita, fosse para culminar minha desolação. Começou com esparsos, escassos pingos, e, não obstante, eu permanecia calado e inerte, como se sequer a chuva pudesse perturbar minha serenidade. Longe de mim demonstrar que estava contrafeito, que havia chegado cedo demais, que desconhecia os horários, que um fato tão insignificante poderia ofender-me: eu caminhando em tão altos céus. Os pingos, contudo, tornaram-se mais freqüentes, e logo o que havia eram diáfanas cortinas sendo varridas pelo vento. Vi-me, então, forçado a levantar e ir embora, arrastando um imenso rabo de raposa acuada para longe da presença estúpida do chapeiro e sua relutância em atender-me.
Vociferei aos céus, ao mundo, ao tolo chapeiro do cachorro-quente. Quem ele pensava que era para fazer-me esperar vinte minutos quando eu de tão bom grado havia abandonado meus recintos solares para comer seu lanche barato? E por que diabos o destino resolveu despencar sobre mim, eu que sempre fui tão bom, tão nobre, tão... digno? Molha-me, pois, molha-me mais. Não fiquei ensopado porque as árvores protegiam um bocado, mas cada gota que escorria de meu cabelo carregava em si o peso da humilhação. No entanto, nada podia fazer e nada podia demonstrar. Devia agir não somente com dignidade, mas também como uma pessoa racional, de modo que essas pequenas contradições passassem despercebidas ao meu seguro ego.
Mas eu tinha era vontade de voltar no tempo e, ao invés de meu conformismo, agarrar-lhe pelos colarinhos e rosnar: "Você vai fazer esse cachorro-quente agora, não importa como ou com o quê! E que seja rápido! Não sabe que está prestes a chover? Incompetente!". E não esperaria sentado, não. Ficaria ali de pé, com a mão estendida, pois o lanche deveria ser feito quase que imediatamente. Sabe o que é isso? Chama-se o eterno desejo de adequação, a devida correspondência entre nosso íntimo e o espaço externo. É claro que todos nós simplesmente gostaríamos que esse último se submetesse sempre e incondicionalmente àquele. Mas é óbvio que o mais sensato é adequar nossa pequena tempestade à vastidão do mundo.
E eu tentei. Deus, como eu tentei! Que eu esperasse o cachorro-quente por vinte minutos; como não? Que eu me sentasse e servilmente aguardasse ser chamado; oh, sim, como não? Porém, confesso que desde o início jamais intencionei submeter-me totalmente. Antes tentava, no mínimo, conciliar meu orgulho com a inelutável negativa do chapeiro, e o fazia por sutis artifícios, esgueirando um olhar de rancor, algo de imperativo, um silêncio e uma imobilidade que mais se assemelhavam à irritação que à paciência. Queria, sobretudo e em última instância, vencer o mundo. E, talvez, nessa estúpida luta, já houvesse fracasso antes que começasse a chover. É como brincar de enfrentar as ondas, cortando-as com chutes e socos, empreitada essa já em sua essência desesperada, porém oriunda de uma vital necessidade.
Um comentário:
Adoro teus textos, Murilo. Fortemente.
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